AMEI UM MONSTRO E ME CASEI COM UMA PRINCESA

   A madrugada fria me deixou inquieto, mesmo com aquele friozinho gostoso eu não conseguia dormir, uma vontade louca de fugir dali me atormentava. Eu olhava aquele corpo semi despido inerte sobre a cama e imaginava uma forma de retirar aquela máscara que encobria seu rosto, mas ao mesmo tempo temia pela minha vida, não poderia fazer isso sem o consentimento de seu pai e meu patrão, perderia primeiro o emprego e depois pereceria a pão e água. Não tinha como escapar.

   Era noite quando resolvi viajar para uma cidadezinha do interior brabo, tinha conseguido através de informações uma promessa de emprego, como estava precisando topei a parada sem saber exatamente o que ia fazer. Peguei uma carona que me deixaria na metade do caminho, o resto seria por minha conta com os poucos recursos de que dispunha. Já era madrugada quando fui deixado em um local desconhecido com a incubência de aguardar o dia amanhecer e pegar um trem em local informado pelo mototista. Senti medo mas cumpri o prometido. Com sono fiquei ali num banco da estação e dei uma cochilada, acordando com o apito da locomotiva que partiria em dez minutos, tempo para tomar um café com pão e manteiga numa quitanda ali próximo. Embarquei e agüentei mais de dez horas de viagem até chegar ao meu destino. Já era quase noite quando desembarquei todo empoeirado e com fome. Um sujeito me identificou e me levou até o local onde eu iria me apresentar para o trabalho, onde chegamos já pela noite depois de percorrer alguns quilômetros em uma velha caminhonete por uma estrada de chão batido. Lá chegando fui recebido por um homem bigodudo e grosseiro que me indicou um quarto onde eu poderia me ajeitar após um banho relaxante. Jantei com alguns outros rapazes que se prestaram também ao mesmo serviço que o meu, só que eu não sabia qual era.

   Pela manhã fomos direto para o trabalho, eu e os rapazes que ali estavam. Era ali próximo, era um serviço grosseiro, tínhamos que capinar mato e preparar a terra para plantação. Alguns tentaram desistir mas foram impedidos e obrigados ao trabalho duro. Sem condições de qualquer reação ali permanecemos e ficamos alojados em um galpão onde ali mesmo fazíamos as refeições e dormíamos. As noites eram livres e a gente aproveitava para conversarmos em um terreiro onde existiam algumas moças. Uma delas, com o passar do tempo, se engraçou de mim, ela usava uma máscara para que seu rosto não fosse visto, mas eu não a queria porque diziam que ela era muito feia e desajeitada, mas ela insistiu tanto que acabei "ficando" com ela, mais para satisfazer o seu gosto do que o meu. Nos envolvemos e acabamos transando no local onde eu dormia, só um dos meus companheiros de trabalho descobriu por acaso que eu estava ali com ela. Seu nome era Carmem e ela nunca tirava a máscara, se mostrando tão doce, tão compreensiva, que acabei gostando dela, só evitava me expor com ela com um pouco de vergonha. Apesar da sua doçura Carmem era muito maltratada pelo seu pai, o meu patrão, que a chamava de "monstro", o que muito me irritava, pois mesmo podendo ser feia de dar dó eu terminei gostando da danada, que já era minha mulher e seus pais de nada sabiam. Quando não estava comigo ela usava uma máscara para que ninguém a criticasse, inclusive era ordem do seu pai.

   Lembra do início deste conto, quando eu dizia que a madrugada fria me deixava inquieto? Era nas madrugadas que a gente fazia amor escondido dos pais dela, era nas madrugadas que eu pensava em retirar aquela máscara do seu rosto e conhecer aquele "monstro" que já estava tomando conta do meu coração. Tinha medo do pai dela saber e me despedir sumariamente. Tinha vontade de ir embora, fugir daquele lugar e procurar outro alguém, mas ao mesmo tempo não conseguia, aquele "monstro" já havia capturado meu coração e eu me sentiria muito infeliz por tê-la desprezado. Me acostumei com o seu semblante, com o seu perfil, com a sua doçura e com o seu amor. Foi nesse momento que eu realmente descobri que amava Carnem e ela também me amava. Deixei o tempo passar e anunciei que gostava dela, que queria casar com ela. Meu patrão ficou desesperado, quiz me bater, mas a consciência falou mais alto e depois de muita peleja ele acabou consentindo o nosso namoro, ainda assim não permutiu que ela tirasse a máscara. Mais um pouco de tempo, as coisas melhoraram e a gente resolveu casar. Conversa vai, conversa vem, marcamos a data do casamento e durante a reunião para o noivado o pai dela permitiu enfim que a filha tirasse a máscara. Foi a coisa mais maravilhosa que aconteceu na minha vida, Carmem era uma moça linda, uma princesa, a mulher mais linda que eu havia conhecido e que estava prestes a se tornar minha esposa.

   Chegou o dia do nosso casório, o pai dela, muito feliz, me promoveu para uma posição melhor e nos deu de presente uma casa toda mobiliada para morarmos. Com o tempo descobri que Carnem era uma filha fruto de um relacionamento fora do casamento e que se viu obrigado a criá-la. Como as filhas dele não eram tão bonitas como Carmem resolveu colocar uma máscara nela quando a mesma chegou na pré adolescência para que ninguém visse a sua beleza, sempre desprezando ela e tratando-a como um "monstro". Arrependido decidiu mudar o rumo de suas ações e pediu perdão a filha que hoje é minha esposa, a princesa da minha vida.

Moacir Rodrigues
Enviado por Moacir Rodrigues em 06/03/2022
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