POR AMOR

Hoje vou contar-vos a história maravilhosa dum homem que chegou longe, graças á sua humildade, humanidade, bondade, tenacidade e coragem.

Já em rapazinho ele se destacava dos demais. Sempre foi muito engenhoso e com uma inteligência acutilante. Tinha bom coração e era visto muitas vezes, ajudando os idosos a atravessar a rua.

Na escola era exemplar. Bom aluno e bom colega. Todos gostavam dele. Era alegre, divertido e sempre pronto a alinhar nas brincadeiras. Protegia os mais fracos e ajudava nas matérias se alguém pedisse a sua ajuda.

Cresceu, estudou Economia e fez-se um valoroso homem. Nunca esqueceu e nunca teve vergonha das suas raízes humildes. Era filho de boa cepa e os bons exemplos e directrizes que recebeu dos seus progenitores, ajudaram-no a chegar onde chegou. Foi subindo a sua escada, degrau a degrau, sem atropelar ninguém.

Foi trabalhar numa empresa petrolífera de grande projecção internacional. Ganhou muito dinheiro com o sucesso dos investimentos efectuados na bolsa.

Na empresa granjeou enorme simpatia e prestígio. Foi comprando acções e ao fim de meia dúzia de anos era detentor de 49%. Alguns anos mais tarde um dos sócios reformou-se e vendeu-lhe os seus 30%. António Seabra tornou-se o sócio maioritário, daí até tornar-se o dono absoluto, foi um piscar de olhos.

Venceu por mérito próprio. Nunca usou de sacanagem para atingir os seus objectivos. Era um homem justo e coerente, portador dum carácter bem vincado, sem nunca se desviar uma vírgula, do caminho honesto que traçou.

Os seus pais, restante familia e amigos, tinham nele um orgulho desmedido. Quando estava por cá, era visto amiúde, almoçando no refeitório da empresa, na companhia dos seus colaboradores, porque o António agora, passava a maior parte do tempo na holding de Nova York.

Era um homem bem sucedido, charmoso e de aparência irrepreensível. Costumava comprar os seus ternos nas lojas da 5ª avenida e habitualmente era visto na companhia de mulheres deslumbrantes e sofisticadas.

Era o solteiro mais cobiçado e nas festas da sociedade, era o alvo das atenções femininas.

António tinha um sex appeal irresistível. As mulheres voltejavam em torno de si, como moscas num pote de mel, mas o seu coração já tinha dono.

A Maria Luísa, com a sua doçura e simplicidade há muito que tinha cativado o seu coração. Foi numa manhã alegre e ensolarada de verão que eles se conheceram. O António tinha tirado uns dias para ir visitar os pais e descansar um pouco da vida alucinante que levava, consequência dos inúmeros compromissos a que a sua intensa agenda de negócios o obrigava.

Naquele dia, entrou no supermercado Flor de Sal , para fazer umas compras para a mãe. Ia vestido elegantemente mas de forma casual. Quando chegou á caixa para pagar, o seu olhar cruzou-se com o de Maria Luisa. Ambos ficaram presos no magnetismo daquele olhar mágico. Foi a bela Maria Luisa que primeiro desviou o olhar, ruborizada como uma romã. A jovem assistente de caixa, na casa dos trintas, era uma mulher bonita, tímida, educada, com ar angelical e muito simples. António habituado a ser galanteado por mulheres astutas e espampanantes, não sabia decifrar aquela emoção. Ele com tanto traquejo das coisas mundanas, ficou de quatro, perante a simplicidade e humildade daquela jovem.

Voltou ao supermercado várias vezes e cada vez se sentia mais atraído. Tinha perfeita noção que também não era indiferente a Maria Luísa. O inevitável aconteceu. Ambos acabaram por se apaixonar perdidamente. Só se separavam, quando António, necessitava de se deslocar á Companhia, a fim de assinar documentos. Maria Luísa desconhecia completamente a verdadeira identidade daquele homem. Ela ingénua e simples como era, acreditara na história que ele lhe contara; um simples caixeiro viajante. Como tal, devido á profissão, ela compreendia que por vezes ele tinha que se ausentar. Também não estranhava o seu porte elegante e a sua maneira educada e cortês. Afinal um caixeiro viajante, tinha que ser mesmo assim, a fim de causar boa impressão e cativar o cliente.

O tempo foi passando e nem uma ligeira núvem, ensombrava tão idílico romance. Mas ninguém pode viver eternamente numa mentira. Chega um dia, em que a mentira é descoberta, ou então forçosamente tem que se contar.

António temia que Maria Luísa, viesse a descobrir a verdade por outra fonte e isso ele sabia que ela não ia perdoar. Maria Luísa é uma mulher íntegra e como tal, amante dos mais altos valores morais.

A cidade era pequena e em lugares pequenos tudo se vem a saber. Ele tentava adiar essa conversa. Temia a reacção de Maria Luísa. No início não contou quem era porque na verdade pela primeira vez, queria que aquela mulher que tanto o impressionara, gostasse dele por ele mesmo e não pelos cargos e pelo dinheiro. Por outro lado também pensou: E se Maria Luísa me rejeita, por pensar que não sou sapato para o seu pé?

Sinceramente e pela primeira vez na vida ele não queria perder aquela mulher. Quando ele olhou fundo nos seus olhos, ele viu que estava ali a mulher da sua vida e por ela, ele era capaz de tudo. Inclusivamente abdicar da sua luxuosa vida, recheada de festas mundanas. Pela bela Maria Luísa, ele não se importava de se transformar num simples cidadão comum. António até se riu do pensamento que teve a seguir; pelo amor desta mulher eu virava até pedinte.

Bem, não podia adiar por mais tempo essa conversa. Ele disse convictamente para os seus botões: - Tem que ser hoje. Amanhã pode ser tarde e seja o que Deus quiser. Deus sabe o quanto eu amo esta mulher.

-Maria Luísa, precisamos conversar. O seu semblante estava sério e o sobrolho carregado. Maria Luísa anuiu com a cabeça apreensivamente, mentalmente entabulou um monólogo, que será que ele me quer dizer? Que deixou de gostar de mim? Que é casado? Oh meu Deus ajuda-me.

O seu coração começou galopando como um cavalo e uma ligeira palidez cobriu-lhe o rosto.

-Por favor diz o que me queres dizer.

Antonio fixou o rosto da amada e notando a palidez ficou preocupado. Abraçou-a pela cintura e cingiu-a contra si. Ele sentiu o corpo dela tremer como varas verdes e sussurrou-lhe ao ouvido palavras ternas e envolventes. Segurou-lhe o rosto com ambas as mãos e olhou fundo nos seu olhos já marejados pela lágrimas. A seguir secou-lhe os olhos com seus beijos e beijou-a sofregamente na boca, de lábios carnudos e macios.

-Meu amor eu te amo tanto e preciso que oiças com muita atenção e compreendas o que tenho para te dizer. Maria Luísa não deu um pio, olhava para ele com um misto de inquietação e amor.

António contou-lhe tudo sobre a sua vida, sem omitir o mais ínfimo pormenor. Ele já a conhecia bem e pôde perceber pela expressão facial, o tormento que ia no seu interior. António ansiava ardentemente que Maria Luísa acreditasse e confiasse nele. Ela sentiu o chão fugir de seus pés e sentiu-se como que engolida pela própria terra. Um rio de emoções descontroladas, irrompeu pelos seus olhos e deixaram-na encharcada em lágrimas e dor.

Fugiu dali como o diabo da cruz. Refugiou-se no seu quarto e fechou a porta á chave. Ali deu largas ao seu “infortúnio “.

A mãe viu-a passar correndo, mais veloz que um raio e ficou mais preocupada, quando verificou que a porta estava fechada á chave. Por mais que implorasse a filha não cedeu.

Na manhã seguinte, saíu ao raiar da aurora. Não queria que lhe fizessem perguntas. Não tinha condições para responder. Deambulou pela cidade e depois pela praia. Descalçou os ténis, atou os atacadores uns nos outros e pendurou-os no pescoço. Durante longo tempo chapinhou na água como um autómato. Não queria e não podia pensar em nada. Foi como se a sua mente tivesse ficado vazia. Estava apenas a fazer tempo, que o Centro de Saúde abrisse.

No mesmo dia, dirigiu-se ao supermercado para entregar a baixa médica. Durante cinco dias não saíu de casa. António procurou-a exaustivamente e não conseguiu falar com ela. Sentiu-se perdido sem o seu amor e aquele pensamento que um dia surgiu inesperadamente no seu coração, começou a tomar corpo. “Por amor daquela mulher eu virava até pedinte”. E tomou uma resolução friamente.

Outorgou temporariamente, o seu vice-presidente a desempenhar funções em seu nome e assentou arraiais próximo da casa de Maria Luísa. Na rua, como pedinte, andrajoso e esfarrapado, cego e velho como a sua idade, gelado como as pedras do chão, para quem passava, sem o ver, ele era mais um pedinte na rua.

Mas não. Ele tudo via e via o que os outros que passavam não viam, na sua pele de “actor”.

Maria Luísa passava por ali sempre que ia e vinha do trabalho. Nos primeiros dias nem reparou no pedinte. Ainda estava meio atordoada com a desilusão que houvera sofrido. Fazia o trajecto casa /trabalho, trabalho /casa, maquinalmente.

Quando o seu corpo e o seu espírito começaram a acalmar, começou a reparar nas coisas á sua volta. Ficou surpreendida com o pedinte ali, a vida está mesmo má, pensou ela e colocou no chapéu velho e descorado uma moeda de dois euros. No regresso a casa, trouxe do supermercado um pacote de leite e pão. Depositou os géneros, ao seu lado esquerdo, num lugar menos visível.

Ele agradeceu meneando a cabeça. Maria Luísa não reparou no seu rosto, disfarçado pelas longas barbas brancas.

Depois de algum tempo e sempre ajudando o mendigo, ela sentia por aquele ser, uma certa empatia e passou a conversar com ele diariamente. Nasceu entre ambos uma amizade e um carinho enormes. Ele era no final de contas, um grande actor com um poderoso poder de mudar a voz. Eu acredito nisto, porque conheço uma pessoa capaz de fazer quatro vozes diferentes, não digo na perfeição porque há sempre uma palavra ou outra que o denuncia.

Maria Luísa, na sua curiosidade, ficou sabendo que tempos atrás, tivera uma vida boa e por amor renunciou a tudo. Queria que a sua amada, acreditasse no seu amor verdadeiro. Ela ficou muito impressionada com este relato e a vida deste homem não lhe saía da cabeça. A pouco e pouco, há medida que trocavam confidências, ela ia encontrando grandes semelhanças consigo. Foi prestando cada vez mais atenção e havia certas palavras cuja entoação lhe parecia familiar.

Certo dia, ao vir do trabalho tão absorvida, nem reparou que já tinha passado pelo seu novo amigo quando ele a chamou. E quando ouviu o seu nome Maria Luísa, o seu coração deu um pulo tão grande, que parecia que queria saír do peito. O António estava ali. Como ela amava aquele homem. Mas olhou em todas as direções e não o viu.

A única pessoa que estava ali era o pedinte. Um pressentimento a assaltou. Dirigiu-se ao mendigo decidida e corajosa. Olhou para ele e num gesto brusco arrancou-lhe as barbas. Era o António, o seu grande amor ali na sua frente. A comoção foi tão grande que caíu desmaiada nos seus braços. Quando recobrou os sentidos, estava deitada numa linda cama, com o António que ela conhecera, elegantemente vestido, sentado aos seus pés. Ela olhou-o amorosamente, ele levantou-se e depositou um terno beijo na sua testa dizendo: Eu te amo princesa.

- Eu também te amo meu amor e foram felizes para sempre!

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Maria Dulce Leitão Reis

08/01/16

Maria Dulce Leitão Reis
Enviado por Maria Dulce Leitão Reis em 06/03/2022
Código do texto: T7466676
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