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SAUDADE NÃO TEM REMÉDIO

 

 

- Bom dia, paizinho!

 

-Bom dia, Cláudia!

 

Ela debruçou-se sobre a face do idoso, que observava através da janela o ocaso desse dia quente de Setembro, e beijou-o.

 

Desde que a mãe morrera, dois meses já decorridos, ele remetera-se ao silêncio, a uma profunda letargia, quase sem lhe dirigir palavra. Sabia que era o desgosto, a saudade que o consumia. Aquela fora uma companhia de quase quarenta anos, com altos e baixos como com todos os casais.

 

Agora, só se tinham um ao outro. Terna como sempre, ela acariciou-lhe o rosto e beijou-lhe de novo a face.

Ele olhou-a durante alguns instantes e inquiriu:

 

-Como vai o teu namorico?

 

-Lá vai indo…

 

-Não noto grande entusiasmo da tua parte…

 

-Oh… Não há seres humanos perfeitos, ele tem defeitos e eu também os tenho…

 

-Pois é, filha, essa é uma verdade que nunca devemos esquecer… Amei tua mãe com paixão e apesar de tudo só na parte final da doença entendi verdadeiramente a grandeza do seu coração. Amei-a como nunca amei ninguém e estou certo que em certas alturas não fui justo com ela, por vezes fui pouco tolerante, mesmo em relação a ti, que sempre foste uma “maria-rapaz”, traquina e muito mexida, deste-nos cabo do juízo…

 

-Paizinho, sabes bem que mudei muito depois da adolescência.

 

-Sim, eu sei. Cláudia, quero que me prometas uma coisa: que só te entregarás a um homem de quem tenhas a certeza absoluta da integridade e honestidade, por quem sintas carinho e ternura e esses sentimentos sejam recíprocos… tal como teus pais sempre sentiram um pelo outro… Não quero que um dia venhas a sofrer...

 

-Paizinho, sempre vos admirei muito, amei desmesuradamente a mãezinha, para mim foi uma grande perda, e sei que para ti também… - reparou nos olhos rasos de água dele e inquiriu:

 

-Porque estás a chorar?

 

-Ontem soube que o Amilcar, aquele velho amigo, faleceu de doença prolongada, num hospital, abandonado, sem visitas… Peço-te que se cair a uma cama, não fiques aqui atida a mim, coloca-me num bom lar, posso pagar, mas visita-me, sim? - e as lágrimas rolaram nas faces magras.

 

-Paizinho, nunca, repito, nunca te abandonarei! Nem que fique sozinha o resto da vida!

 

-Não, eu não quero isso, não sou egoísta a esse ponto. Desejo que sejas feliz, esse sim o meu maior desejo!

 

-Amo-te muito, paizinho! Por tudo, por ti e pela mãezinha serei sempre grata, por isso não poderei ignorar-te, tal como muitos filhos fazem em relação aos pais, abandonando-os doentes e indefesos…

 

Cláudia abraçou o pai e ficaram ali, olhando através da janela o belo por-do-sol até que o astro-rei sumiu no horizonte.

 

 

 

 

 

Ferreira Estêvão
Enviado por Ferreira Estêvão em 25/02/2022
Reeditado em 25/02/2022
Código do texto: T7459855
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