O Barco
Vou lá ver ele. É o que vai ser. Sente minha falta ainda? A imagem refletida, perdida para sempre no espelho sem reflexo. Caminho mais devagar hoje. Geralmente meus passos são ligeiros. Acho que é a paisagem. Vejo o rio assassino. Mesmo assim gosto da água.
É bom se deixar levar, seguir a correnteza.
Vejo o portão enferrujado que não fecha mais. O muro ainda de pé, sustenta o limo que se acumula. Ipês, rosas e copos-de-leite, alguns pássaros de plumagem escura e o entardecer. A grama cresce de forma irregular, como meus passos. Ninguém me viu entrar. Ninguém nunca me viu mesmo em lugar nenhum. Ninguém lembra de nada. Sentada na terra úmida, o mármore gelado é apoio para as costas. Sinto frio. Até que é bom. Nunca fui de me aquecer mesmo.
O sol se põe.
Oi, sou eu. Mas já sabe disso né. Faz um ano hoje. Resolvi passar aqui. Tem um tempo que eu queria vir. Tomei banho no rio. Foi bom. Senti um pouco de frio no começo. Olha como eu ainda tô molhada. Além disso, o barqueiro não faz o caminho de volta. Lavada por fora, seca por dentro. Eu te vi afundar na água até a vista não mais enxergar.
Apenas teu barco desaparecendo pelas águas dos meus olhos.