Recomeço: Tempo De Ser Feliz

Eu estava atendendo uma nova cliente. Era uma juíza que tinha assumido uma vaga na comarca. Uma mulher jovem, bonita, elegante, cheia de classe e cheia de charme. Como médico ginecologista eu conhecia muito bem o meu dever de ser ético.

Mas ela mesmo sendo uma juíza parecia que não conhecia o código de ética e ficou me olhando e tentando me provocar. Fiquei na minha fazendo os procedimentos de uma consulta com absoluta lisura. No final, antes de sair ela disse:

-Vejo que você é casado.

-Sim, sou casado.

Ela se virou e saiu quase desfilando.

Eu era um homem de cinquenta anos. Casei aos vinte e oito com minha única namorada e eu também fui seu único namorado. Éramos apaixonados e fizemos muitos planos para nossa vida a dois. Nossa lua de mel parecia interminável com noites de puro prazer. Mas três anos depois as coisas começaram a desandar. Ela tinha o sonho de ser mãe, isto pra ela era uma prioridade. As suas duas irmãs já eram mães e ela começou a ficar com fixação em engravidar. Como não acontecia começamos a investigar o que havia de errado. Começamos pelos exames dela. E tudo estava certo. Quando eu fiz o meu primeiro exame, descobri que eu jamais poderia ter um filho. Ela entristeceu. Mas logo depois começou a sonhar com uma reprodução assistida com a escolha de um doador. Eu não aceitava essa hipótese. Além de expor minha deficiência eu ainda teria que olhar para aquela criança dia após dia e saber que não era meu sangue, minha genética. Pode parecer machismo ou egoísmo mas era assim que eu me sentia. Ela ficou decepcionada e magoada comigo. Começou a se mostrar fria e distante. Um tempo depois ela pensou em uma adoção. Eu não quis nem ouvir falar nisto. Não aceitava e dizia pra ela que se Deus não quis nos dar filhos que devíamos aceitar.

Ela foi ficando cada vez mais magoada, triste e infeliz. E eu pensava que era só por causa de não ser mãe. Fui levando aquele casamento que se tornou morno e desinteressante. Mas eu ainda a amava e tentava compreender e aceitar aquela nova mulher na qual que ela se transformou. E o tempo foi passando e a gente foi levando.

Dias depois me aparece novamente a juíza. Foi levar os resultados doa exames. Chegou com uma roupa super provocante mostrando aquele corpo escultural, toda perfumada, maquiada parecendo que estava indo a uma festa.

Eu procurava nem olhar aquela maravilha ali diante de mim, não queria de maneira nenhuma ferir a ética que um ginecologista deve ter até mais que outros médicos. Procurei me concentrar nos exames, mas notava que ela me olhava e começou a conversar:

-Sabe que eu sou uma divorciada solitária?

-Quando o casamento não dá certo, o divórcio é melhor alternativa.

-Você é casado há muito tempo?

-Vinte e dois anos.

-Nossa. Você deve ser um maridão. Seu casamento é feliz?

-Acho que todo casamento passa por percalços, altos e baixos.

-Ah! Sim. Então o seu não é tão bom assim?

-Não disse isso.

Finalmente ela foi embora e eu estava meio tonto.

Cheguei em casa neste dia e Célia estava visivelmente mal humorada. Mais que de costume. Eu como sempre estava de bem com a vida, não liguei muito. No jantar percebi que ela comeu pouco e estava taciturna.

-Aconteceu alguma coisa, Célia? Parece que você não está bem.

-Álvaro lhe contou que marcou o casamento?

-Sim, contou. Nós trabalhamos juntos e somos grandes amigos, esqueceu?

-Mas você não me contou nada. Fiquei sabendo por acaso.

-Isto é tão importante assim pra você?

-Você sabe o que eu penso deste casamento.

-Sim, eu sei, embora não entenda muito o porquê.

-Ela é muito mais jovem que ele.

Neste momento pensei em Ana Júlia, a juíza, que é também é muito mais jovem que eu.

-Isto não é impedimento, ele é apaixonado por ela e ela uma excelente pessoa.

Ela só fez uma expressão de desagrado.

Álvaro é meu grande amigo de infância, é um pediatra e somos sócios na clínica. Ele foi casado por alguns anos. Ficou viúvo há dois anos e pouco tempo depois um antigo amor dele também ficou viuva. E agora eles se encontraram e resolveram se casar. Célia desde o principio implicava com ela e com este romance. Por vezes eu até ficava desconfiado que não era só cuidado de amigos. Mas como sempre convivemos, deixava pra lá.

Passado algum tempo, um mês talvez, quem me aparece no consultório? Ana Júlia. Veio para uma nova consulta. Isso não estava me agradando.

-Boa tarde! Em que posso ajudá-la?

-Estou tendo TPMs muito desagradáveis. Preciso de uma solução pra isto

-Começou há pouco tempo ou é comum acontecer.

-Forte assim, é recente. Acha que pode ser falta de sexo? Desde que me separei há quase um ano estou na seca.

Eu fiquei sem graça.

-Talvez, sim. Mas não é uma causa comum. Como fez todos os exames e estão bons, pode ser um fato esporádico e que vai passar.

-Mas não acha que sexo faz falta pra um a mulher?

-Sim. Faz falta pra todo mundo, mas não é imprescindível. Tem pessoas que passam longos períodos sem sexo, algumas até a vida toda.

-Nossa. Pra mim não é uma coisa natural.

-Eu vou lhe prescrever um medicamento bem leve e natural que pode ajudar.

-Não vai me examinar?

-Está sentindo alguma coisa?

-Não.

-Então não é necessário. Vou medir a pressão.

Quando me aproximei pra medir a pressão ela começou a se encostar em mim. Eu fui me afastando.

-Eu não lhe agrado?

-Estamos aqui como médico e paciente. Nada mais. Não se esqueça.

Ela se aproximou e eu me afastei.

-Por favor. Eu estou no meu consultório e devemos respeito um ao outro. É uma questão de ética profissional.

-Mas sou que estou me oferecendo.

-Aqui é melhor você não se oferecer. Vamos manter o respeito. Eu prezo muito meu nome, minha reputação e minha liberdade.

-E fora daqui?

-Eu sou um homem casado.

-Mas não está morto.

-A senhora é uma autoridade. Não se importaria de se envolver com um homem casado? Isto não poderia ferir sua reputação?

-Não me chame de senhora. Eu odeio.

-É o respeito a uma paciente.

-Eu não quero este respeito e ninguém tem nada a ver com minha vida. Vou deixar o meu número. Ligue se quiser.

-Esta é a prescrição. Se houver algum problema pode me ligar.

Deixei o meu número particular pra ela.

Ela se foi e eu fiquei sem saber o que pensar. Só sei que estava sentindo uma grande atração por aquela mulher desinibida e oferecida.

Nesta mesma noite, em casa, Célia estava com suas atividades lá pra dentro. Meu celular tocou e era Ana Júlia. Conversamos e ela me chamou pra um drinque na casa dela no dia seguinte. A mulher não perdia tempo. Ia a luta na boa, sem nenhum pudor ou timidez. Eu pensei por um instante. Várias coisas se passaram por minha cabeça e eu acabei dizendo que confirmaria depois.

Mais tarde em nossa cama eu me aproximei de Céla lhe fazendo um carinho e ela se afastou. No dia seguinte confirmei o drinque com Ana Júlia.

Eu cheguei na casa de Ana Júlia. Estava ressabiado e até um pouco arrependido. Inventei um desculpa pra Célia e ela nem se importou.

Ana Júlia me recebeu com uma roupa super sexy. Toda elegante e perfumada. Um batom que realçava sua linda boca que foi feita pra beijar.

Eu fiquei na minha. Ela nos serviu. Eu estava sem saber o que fazer. Mas ela sempre sabia o que queria. Sentou em meu colo e sem nenhuma cerimônia beijou minha boca. E eu me entreguei. E fomos nos envolvendo, e fomos ficando cada vez mais próximos como se fôssemos um só.

Quando dei por mim estava na cama dela. E nos entregamos com um desejo, com uma volúpia sensacional. Aquela mulher sabia o que queria e sabia levar um homem às nuvens, ao céu.

Quando saí de lá eu estava completamente extasiado. Eu não tive muitas mulheres em minha vida. Só tive uma namorada, a Célia. Tive algumas experiências antes do casamento e algumas poucas escapadelas depois de casado. Como Célia se tornou uma mulher fria como uma pedra de gelo, minha vida sexual era morna e desinteressante. Aquele arroz com feijão sem tempero. Cheguei em casa e Célia já estava dormindo. Eu me sentia leve e satisfeito.

No dia seguinte, Ana Júlia me ligou e disse como estava feliz e leve pela noite que tivemos. Conversamos por um tempo.

Começamos a nos envolver. Eu só pensava nela e em tudo que estávamos vivendo.

Sempre dava um jeito de me encontrar com ela. Célia não desconfiava ou fingia não ver.

Eu me sentia muito feliz e satisfeito. Eu estava parecendo um jovem de vinte anos e com uma disposição incrível pra me colocar na cama dela.

Fomos vivendo. Eu me sentia apaixonado. Ela se mostrava apaixonada.

Em um final de semana, estávamos na casa de meu amigo Álvaro. Ele estava com a esposa, mais alguns casais amigos, Célia e eu.

Notei que Célia estava um tanto tensa e nervosa. A gente conversava e se divertia e ela estava bebendo. Não era muito acostumada a beber e eu lhe adverti que estava passando dos limites e ela só fez uma careta pra mim.

Mais tarde, Álvaro estava na piscina e vi que Célia foi até ele. A sua esposa estava ocupada com os afazeres de uma anfitriã. Os outros conversavam e eu prestava atenção em Célia conversando com Álvaro. A esposa dele se aproximou e eu também fui até lá pois minha esposa estava bêbada e podia rolar algum barraco entre elas. Mas logo a esposa dele voltou e com uma desculpa me afastou da piscina. Fiquei meio intrigado mas fui ver o que ela queria comigo. Mais tarde notei que Álvaro estava um pouco sem graça. Alguma coisa estava no ar. Eu preferi me fazer de morto.

Ana Júlia e eu estávamos muito apaixonados. Eu pensava em me separar de Célia mas me sentia culpado. Ela não teve filhos por minha causa, suas irmãs moravam longe e ela ficaria completamente sozinha. Ana Júlia me pressionava. Eu pensava no acontecimento do final de semana. Sentia que havia alguma coisa sinistra. Ficava imaginando coisas.

No dia seguinte após o término das consultas fui conversar com Álvaro. Expus a ele a minha dúvida sobre o que Célia conversava com ele e por que a sua esposa não me deixou aproximar. Ele desconversou. Eu abri o jogo:

-Acho que tem algo de sinistro naquela sua conversa com Célia. Eu gostaria que você fosse muito sincero comigo. Nós somos amigos há anos. Acho que mereço sua lealdade.

-Eu nunca fui desleal com você.

-Eu estou pensando em me separar de Célia, mas fico me sentindo culpado. É por isto que eu peço que seja sincero comigo. Mais ou menos eu desconfio o que ela queria com você, mas quero ouvir de sua boca. Se é mesmo meu amigo, não me esconda nada.

-Gabriel, eu estou super constrangido. Quero que saiba que não falei nada pra lhe poupar. Você conhece toda a minha vida, sabe que só amei uma mulher. Sabe o quanto eu sou seu amigo e sempre respeitei você, a Célia e sua casa.

-Fale logo por favor.

-Bem… A Célia naquele dia estava bêbada e fez uma solene declaração de amor a mim. Eu disse que ela estava confundindo as coisas, que sempre fomos amigos. E ela me disse que sempre foi apaixonada por mim desde que eu cheguei em sua casa pela primeira vez e estava tão fragilizado e infeliz.

Eu nem sabia o que dizer. Estava atônito. Não imaginava que ela não havia esfriado comigo apenas por eu não poder lhe dar um filho, mas porque se apaixonara por meu melhor amigo. Tantos anos guardando este segredo. E eu ingênuo nunca acreditei nas evidências que agora via claramente.

-Obrigado, meu amigo! Eu merecia saber. Não foi você que foi desleal comigo. Foi ela. Por toda uma vida.

Eu sai e fui pra casa. Chegando olhei pra Célia com todo desprezo de que fui capaz:

-Com que então você vem me enganando pela vida afora?

-Do que você está falando?

-Do seu amor por Álvaro.

-Você está louco.

-Pra que tentar fingir?

-Ele não tinha o direito de tentar lhe jogar contra mim.

-Eu não sou idiota. Eu estava desconfiado e o pressionei a me contar tudo. E eu que sempre pensei que você se tornou um iceberg somente por eu não poder lhe dar filhos.

-Você me magoou muito quando não quis deixar que eu tivesse um filho. Mesmo com sua deficiência você se recusou a uma reprodução assistida ou a uma adoção. Você tirou de mim o sonho de ser mãe. Naquele dia que ele chegou aqui tão frágil e eu também estava tão fragilizada e me encantei por ele. Não fiz por maldade.

-E porque não se separou de mim e seguiu sua vida, foi realizar o sonho de ser mãe?

-Você sabe que minha família sempre foi muito religiosa e tradicional, nunca aceitariam uma separação.

-E por uma hipocrisia de sua família você resolveu viver infeliz, me enganar e me fazer infeliz também? Ou você acha que eu fui feliz ao lado de uma mulher completamente indiferente?

-E por que nunca quis se separar?

-Por que eu lhe amava.

-Se você me amasse teria permitido que eu tivesse um filho.

-Sua obsessão por um filho destruiu nosso casamento.

-Você me perdoa, Gabriel? Eu prometo tentar mudar.

-Não. Você me traiu por anos a fio.

-Eu nunca lhe traí.

-Em pensamentos também se trai. Você foi casada comigo por anos pensando em outro, pensando em meu melhor amigo. Eu estou saindo. Vou pegar só algumas coisas. Não quero mais olhar na sua cara.

Ela chorava e me pedia perdão. Eu estava magoado, ferido até o fundo de minha alma. Juntei algumas coisas e saí. Eu me sentia aliviado de certa forma. Agora sabia que Célia não merecia nenhuma consideração de minha parte.

Cheguei na casa de Ana Júlia. Precisava do abraço dela. Ela abriu a porta e eu caí em seus braços. Naquela noite ela me consolou, me amou, me deu colo e um ombro pra chorar. Ela fez eu me sentir menos ultrajado.

A partir daquele dia estávamos livres pra viver nosso amor.

Apesar de toda a minha tristeza e mágoa, brindamos o nosso amor com champanhe e muito beijo, carícia e prazer.

Nádia Gonçalves
Enviado por Nádia Gonçalves em 03/02/2022
Reeditado em 05/02/2022
Código do texto: T7444052
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2022. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.