DESTINOS ENTRELAÇADOS

Todos os dias Bruce via os turistas se avolumarem na taberna. Há dez anos que ele servia os visitantes. A taberna era o único ponto turístico da cidade, à beira de um castelo construído há séculos. Os funcionários do local vestiam-se à moda medieval, para deixar os espectadores mais encantados. Havia espetáculos para abrilhantar as noites dos que se embebedavam.

Apesar de trabalhar em um lugar extraordinário, Bruce era um homem ordinário, de existência comum. Ele morava em uma casa simples e sem grandes planos na vida. Ele morava na Inglaterra, mas não nascera inglês, era irlandês.

Bruce terminou o expediente, despiu-se da fantasia medieval e saiu noite afora. Enquanto caminhava para sua casa, os burburinhos iam perdendo-se ao longe.

Ele teria seguido sua rotina, caso algo não houvesse chamado sua atenção; sentada em um banco de praça, uma mulher chorava com as mãos no rosto. Bruce pensou em ignorá-la e seguir adiante, afinal não era da conta dele. Contudo, ele não resistiu ao impulso e suas pernas o levaram até lá.

— Boa noite! — disse ele.

A mulher não pareceu ouvi-lo, demorou alguns segundos para ela perceber que alguém lhe dirigia a palavra.

— Ah, olá! — ela enxugou as lágrimas.

Bruce esperou ela se recompor, antes de perguntar:

— Está tudo certo, moça? Precisa de ajuda?

— Não. — A mulher falou, sisuda.

— Certo! — Bruce respondeu e fez menção de continuar seu trajeto.

A mulher percebendo sua rigidez, corrigiu-se:

— Desculpa, noite difícil.

— Sem problemas.

— Ficarei bem, só precisava extravasar. Sou Amélia.

— Bruce.

Os dois apertaram as mãos. Bruce indagou:

— O que houve com você?

— Perdi minha mãe, o enterro foi ontem, não consegui ficar em casa, as paredes parecem sem brilho, sem vida. Sem ela, tudo parece errado.

Os dois ficaram em silêncio, Bruce estava tentando encontrar as palavras corretas, mas ele sabia que às vezes não existem palavras para confortar, às vezes o único conforto é o tempo.

— Sei que o que eu falar não adiantará muita coisa, mas nenhuma dor é para sempre. Algumas vezes as tempestades são feias, no entanto, até mesmo elas se vão. Elas são inevitáveis, mas são passageiras. A dor também é assim, inevitável e passageira.

Amélia ficou refletindo as palavras de Bruce, após uma breve reflexão disse, taciturna:

— Obrigada!

Bruce esperou um pouco e sugeriu:

— Olha, eu não estou mesmo com sono e você parece precisar de uma distração, se quiser podemos ir tomar uma cerveja na taberna.

Amélia encarou Bruce com um olhar penetrante, ponderando se poderia confiar nele ou não. Assim que decidiu que ele estava apenas querendo ajudar e não se aproveitar dela, a mulher aceitou o convite:

— Pode ser.

Os dois caminharam até a taberna em silêncio, escolheram uma mesa. Só quando algumas canecas de cerveja estavam sobre a mesa que Amélia se soltou mais. Ela contou um pouco sobre si, sobre o derrame que matou sua mãe. Bruce também contou sobre sua vida, revelou que trabalhava na taberna que eles estavam. A conversa foi leve em alguns momentos e em outros, Amélia voltava à sua mãe e algumas lágrimas escorriam de seus olhos.

Eles ficaram no local até os primeiros raios surgirem, foram embora caminhando. Amélia acompanhou Bruce até em casa, pois a dele era a mais próxima.

Assim que chegaram, antes de Bruce entrar ele falou:

— Se eu a encontrar hoje à noite, chorando naquele mesmo banco, aceitaria outra cerveja?

Amélia abriu um pequeno sorriso tímido e disse:

— Espero não estar chorando.

Bruce também sorriu, fez um meneio com a cabeça em despedida e entrou porta adentro.

Amélia ainda ficou alguns minutos parada, quando decidiu sair de casa para espairecer, não imaginava que o Destino lhe preparava uma noite como a que teve. Apesar da tristeza purgante que sentia, conseguiu ver uma pequena luz nos momentos que passou com Bruce. Apesar de ela não o conhecer de fato, sentiu nele uma sintonia que há tempo não sentia com ninguém. Ela não sabia se era a solidão pregando peças em sua mente; na verdade, ela não se importava, qualquer coisa era melhor que a dor que sentia.

Amélia virou-se e saiu, rumando a esmo; ainda não queria voltar para casa. Ela se entregaria à sabedoria do Destino.

Felipe Pereira dos Santos
Enviado por Felipe Pereira dos Santos em 28/01/2022
Código do texto: T7439555
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