Traição A Gente Perdoa, Mas Não Esquece
Samuel e eu éramos grandes amigos. Amigos irmãos, inseparáveis. Nós nos conhecemos na escola quando tínhamos onze anos. Foi um sentimento de amizade imediato e nunca mais nos largamos.
Depois de terminado o ensino médio, seguimos rumos diferentes. Ele se tornou um advogado e resolveu seguir a carreira de servidor público. Eu como filho de fazendeiro e apaixonado pelas coisas da fazenda me tornei um veterinário e tempos mais tarde assumi a administração dos negócios de meu pai.
Mesmo assim, estávamos sempre juntos. Não éramos muito de namorar, preferíamos as farras de todo final de semana. Saíamos para beber e conversar, íamos ao clube dançar, conhecíamos muitas garotas mas não levávamos nenhuma a sério. Gostávamos de jogar futebol aos domingos. Viajávamos juntos. Enfim, curtíamos a vida intensamente. Nosso gosto para mulheres era um pouco diferente e por isto nunca tivemos problemas.
Até os trinta e poucos anos vivemos assim. Muitas pessoas até invejavam nossa amizade e diziam que se fôssemos irmãos a gente não se daria tão bem. E eu sempre respondia:
-Irmão de sangue a gente não escolhe. Amigo sim, amigo é irmão de coração.
Um dia estávamos em uma festa bebendo e nos divertindo.
Samuel olhou pro lado e viu uma linda garota. Ele me disse:
-Olha que garota linda, nunca tinha visto. Será que não é da cidade?
Eu olhei e realmente ela era linda. Quando olhei ela estava sorrindo e aquele sorriso me encantou. Mas encantou o meu amigo também.
Nos próximos dias ele só falava na garota. Procurou saber tudo sobre ela e sempre vinha me contar tudo. E eu ficava sem graça mas procurava disfarçar.
Ele estava completamente apaixonado por aquela mulher. Só falava nela, só pensava nela. O pior é que eu também estava apaixonado.
Algumas vezes ele tentou se aproximar dela. Ela, muito educada e simpática conversava um pouco com ele e olhava pra mim com um olhar pra lá de provocativo. E eu tentando disfarçar e me controlar. Eu tentava não pensar nela, não cobiçá-la. Mas não conseguia. Era mais forte que eu.
E o tempo foi passando e ele cada vez mais apaixonado e partindo pra cima, tentando conquistá-la. E ela, sutilmente dando o fora nele.
E ele chorando as mágoas comigo:
-Será que eu tenho alguma chance? Ela nunca se decide.
-Pra falar a verdade, acho que ela já se decidiu. Acho que ela não está afim. Só você não enxerga.
-Você acha mesmo?
-Acho que é meu dever ser sincero com você. Se ela quisesse alguma coisa, depois de tantas investidas ela já teria se decidido.
-Mas eu estou completamente apaixonado por ela. Você sabe que eu nunca me interessei por nenhuma outra mulher como por ela. Eu estou afim de um compromisso sério.
Eu fiquei sem graça e nem sabia o que falar.
Chegou o dia em que me encontrei sozinho com ela. Nos encontramos por acaso. Ela sorriu aquele sorriso largo e veio falar comigo:
-Até que em fim eu lhe encontro sem aquele cara. Ele não para de me cercar. Será que não consegue desconfiar que não quero nada com ele?
-Aquele cara é meu grande amigo. Ele está muito apaixonado. Nunca o vi assim desde que o conheci.
-E você? Está apaixonado também?
Eu fiquei constrangido com a pergunta e tentei disfarçar:
-Como?
-Você também é apaixonado por alguém?
-Bem… Que pergunta!
-Eu estou apaixonada.
-O Samuel vai ficar muito triste. Não é por ele, suponho.
-Não. Não é por ele.
-Que pena.
-Por que finge que tem pena?
-Como assim? Não estou entendendo.
-Não se faça de bobo. Não somos mais crianças pra ficar com este joguinho. Você me devora com os olhos e sabe que eu também.
-Samuel é meu melhor amigo.
-Mas eu não quero nada com ele. Ele tem que se convencer disto.
-A gente não trai um amigo.
-Não é traição. Nunca tive nada com ele e você sabe.
-Mas eu sei que ele está apaixonado por você.
-Ele tem que entender. Vamos nos privar de viver por causa dele? Se não ficarmos juntos, isto não vai fazer eu ficar com ele.
-Por favor, eu não posso. Não conseguiria fazer isto com ele.
Ela se aproximou de mim e nos beijamos. Ficamos ali nos tocando e sentindo as delícias de uma química perfeita.
Mais tarde eu estava péssimo. Sentia uma culpa e um arrependimento que me corroía a alma. Um amigo não apunhala o outro pelas costas assim.
Mas o tempo foi passando e cada vez mais eu ficando apaixonado e atraído pelo amor do meu amigo.
E acabou que ficamos juntos, transamos e foi divino. Uma explosão de paixão, tesão e prazer reprimidos até ali.
Eu mal conseguia olhar pro Samuel. Não conseguia encará-lo e ele inocente, sem saber de nada, continuava a falar de sua paixão.
Algum tempo se passou. Ela e eu nos encontrávamos em segredo.
Mas ela não aceitava esta situação.
-Não somo adolescentes e nem culpados pra ficar nos escondendo.
-Eu preciso de um tempo. Estou péssimo. Sei que ele não vai me entender.
Ela não disse nada.
O fato é que pouco tempo depois estávamos em minha casa, em minha cama.
Samuel sempre teve a chave de minha casa como eu sempre tive a chave da casa dele.
E ele nos flagrou. Nunca vou saber se ele sabia que estávamos ali ou se foi uma coincidência. Só sei o quanto foi constrangedora a situação.
Ele me olhou com um misto de ódio, decepção e tristeza. Seus olhos se encheram de lágrimas. Eu olhava sem saber o que fazer ou falar. Ele se virou e saiu.
Eu me levantei e fui atrás.
-Samuel. Por favor me ouça, meu amigo.
Ele virou e me acertou um murro bem no meio da cara. Como era um homem muito forte eu caí no chão sentindo uma enorme de dor por todo o rosto. Só ouvi ele dizendo:
-Não fale nunca mais comigo.
E saiu batendo a porta.
E eu me vi na situação mais deplorável da minha vida. Nu, caído no chão e com o nariz e boca sangrando muito. E ainda por cima com um grande remorso me corroendo e a tristeza de perder um amigo. Será que algum dia ele iria me entender? Será que se eu tivesse conversado e contado tudo eu não teria perdido o amigo?
A grande ironia de tudo isto é que eu encontrei o amor de minha vida, mas perdi meu grande amigo.
Cássia e eu estamos juntos até hoje, mas Samuel nunca mais falou comigo.
Sei que ele me julga um traidor, um judas.
Eu sou feliz com Cássia, mas minha felicidade sempre foi um pouco nublada pela tristeza de ter magoado, ferido tão fundo o meu amigo do peito e por ter perdido o melhor amigo que alguém já teve nesta vida.
Não sei se o que ele sentiu mais foi perder a mulher que ele amava ou ter sido traído pelo amigo em quem ele confiava cegamente. Talvez ele não fizesse o mesmo comigo.
Samuel está muito doente. Tem uma cardiopatia. No período em que ele esteve no hospital, pedi pra ele me receber e ele se recusou.
Escrevi uma carta pedindo perdão e explicando tudo, talvez tentando explicar o inexplicável. Pedi pra ele me receber e me perdoar, pra me dar um abraço.
Ele mandou de volta um bilhete:
“Fique tranquilo. Eu já lhe perdoei. Mas confiar, nunca mais. Uma traição a gente perdoa, mas não esquece. Um amigo conversa com o outro, não faz as coisas às escondidas, pelas costas. Um amigo renuncia a tudo pelo outro. Eu recebi o seu abraço, mas lhe encarar frente a frente, nunca mais. Samuel.”