Meu Diamante Bruto

Eu sempre fui uma mulher inteligente, competente e independente. Sempre fui bem sucedida em tudo que fiz e faço. Sempre me saí bem na escola, fiz um excelente curso de Geologia e já saí da faculdade com um excelente emprego. Sempre pude me dar ao luxo de fazer escolhas profissionais e sempre me dei bem financeiramente.

No entanto minha vida pessoal sempre foi um completo fracasso. Nunca me senti feliz. Nunca me dei bem com a família, nunca cultivei amizades verdadeiras.

Na minha infância meu pai passou por altos e baixos nos negócios e teve dificuldade financeira que me deixava insegura. Minha mãe era deprimida e vivia triste e seu gênio era difícil o que deixava os filhos inseguros emocionalmente.

Cresci sonhando com riqueza, com um grande amor, com uma vida diferente. Somatizava minhas insatisfações e sofria com dores de cabeça e outros males. Sempre que estava insatisfeita ou com raiva ou revoltada vinha a dor de cabeça e vômitos, como se eu botasse pra fora de mim toda a minha raiva, insatisfação, infelicidade e revolta.

Nunca fui um exemplo de beleza e isto me deixava frustrada. Queria ser linda e exuberante, mas não era nada disto. Eu sempre compensei isto com meu sucesso e inteligência.

Eu me casei aos trinta anos. Conheci meu marido e nos apaixonamos. Menos de dois anos depois estávamos casados. Eu trabalhava muito e meu gênio sempre foi forte, até ruim talvez. Ele também não tinha o melhor dos gênios.

Menos de quatro anos depois nos separamos. Apesar de nos amarmos, não conseguimos manter o casamento. Eu continuava me sentindo infeliz. Uma insatisfação sempre me consumia.

Eu trabalhava muito pra esquecer esta insatisfação. Além do meu emprego eu ainda fazia muitos trabalhos como autônoma, fora do meu horário de trabalho.

Aos poucos fui acumulando muitos bens e dinheiro. Achava que se eu fosse rica ou se tivesse uma situação estável eu seria feliz, mas não foi o que aconteceu. Eu continuava infeliz, insatisfeita e cada vez mais solitária. A vida para mim era um fardo, era pesada demais pra eu suportar.

Por várias vezes tentei tratamentos com psicólogos e psiquiatras mas sempre abandonava o tratamento. Acho mesmo que não queria me curar. Era mais fácil ser como era.

Tempos depois, a empresa em que eu trabalhava me mandou fazer uma análise e projeto em uma mina que detinha no norte do país. Como tudo pra mim era complicado e como eu sempre me sentia vítima de tudo, fiquei extremamente chateada e infeliz por ter que fazer este trabalho. Por outro lado, sabia que eles só estavam me mandando porque confiavam na minha competência e este era um trabalho sério e de muita responsabilidade.

E lá fui eu. Cheguei já reclamando do calor e da umidade do lugar que pioravam minhas alergias e minhas dores de cabeça.

Eu iria ficar num hotel até que providenciassem um lugar pra me instalar. Eu sempre detestei ficar em hotéis. Iria ficar lá por seis meses ou mais.

Cheguei ao local onde ia trabalhar já de mal humor, tive uma péssima noite e estava com muita dor de cabeça. Já cheguei soltando os cachorros em cima de quem me aparecesse pela frente.

Mais tarde fui até a mina para ver a situação e começar os trabalhos. Pensava em trabalhar noite e dia pra terminar o mais rápido possível e poder voltar pra casa.

Cheguei lá com cara de poucos amigos e reclamando de tudo que via pela frente. Sabia que todos falavam de mim pelas costas, mas isto não tinha nenhuma importância pra mim.

Quando passei por alguns trabalhadores, um dele sorriu pra mim com uma doçura e sinceridade que eu não conhecia. Mas eu rabugenta e mal humorada disse:

-O que foi? Algum problema?

-Não. Só achei a senhora muito bonita. E quis dizer que estou a disposição.

Eu fiquei sem graça com suas palavras, mas me pareceram tão sinceras, que eu não o repreendi. Segui meu caminho.

Na volta ele sorriu novamente pra mim. Eu esbocei um sorriso e fui embora.

Dias depois eu estava fazendo um trabalho na mina e quando olhei, aquele mesmo trabalhador estava olhando fixamente pra mim. O meu impulso foi mandar ele procurar o que fazer. No entanto o que fiz foi sorrir pra ele. E ele retribuiu com aquele sorriso franco e sincero. Ele se aproximou de mim:

-A senhora é geóloga, não é?

-Sou. Mas não precisa me chamar de senhora. Aliás, detesto que me chamem de senhora.

-Está bem. Desculpe. A senhora, quer dizer, você deve saber muito sobre tudo isto aqui, não é?

-Sim, Se não soubesse não estaria aqui.

-Eu posso ajudar?

-Não tem mais o que fazer?

-Tenho, mas se você quiser, pode pedir pra eu trabalhar com você. Eu conheço tudo isto aqui. Posso ser de grande ajuda.

-Por enquanto não preciso de nada. Se precisar eu chamo. Pode ir que tenho que me concentrar aqui.

-Está bem.

A noite, sozinha no hotel eu me peguei pensando naquele trabalhador. Ele me chamou a atenção por me tratar tão bem. Ainda não conhecia meu mal humor e minha arrogância.

No dia seguinte segui com meu trabalho na mina e mandei chamar aquele trabalhador.

-Qual o seu nome?

-Marilton.

-Eu me chamo Helenice.

-Que nome bonito! O meu é estranho. É a mistura do nome de minha mãe, Marilia e meu pai Hilton.

Abri a boca pra dizer que não tinha perguntado o porquê de seu nome, mas me contive. Simplesmente não respondi nada.

-Você vai me acompanhar aqui na mina estes dias. Já falei com seu chefe.

-Que bom. Vou gostar muito de poder ajudar a senh…, você.

Ele era um jovem rapaz de vinte e poucos anos. Ele era sempre muito simpático, sempre alegre e satisfeito com a vida. Estava sempre disposto a ajudar e parecia gostar muito do que fazia.

Um dia ele perguntou:

-Você é casada?

-Não, não sou.

-Mas tem um namorado?

-O que lhe interessa isto? Não tem que ficar especulando sobre minha vida. Não dei liberdade pra isto. Fique na sua.

-Desculpe. Não queria aborrecer você.

Eu fiquei sem graça e disse:

-Não tenho namorado, nem noivo e nem ninguém. Sou sozinha.

-Lá na sua terra os homens são cegos?

-O que quer dizer com isto?

-Uma mulher como você sozinha.

-Não basta que um homem queira ficar comigo, precisa eu querer ficar com ele também.

-E você não quer ninguém?

-Vamos parar com esta conversa. Estamos aqui pra trabalhar.

Voltamos ao trabalho. A noite sozinha em minha cama eu pensava naquele homem. Não estava entendendo o que estava acontecendo comigo.

No dia seguinte ele chegou pra trabalhar com uma rosa pra mim.

-Colhi no jardim de minha mãe. Era a mais bonita.

Eu fiquei sem graça e me emocionei. Há quanto tempo eu não ganhava uma rosa. Aliás, pouquíssimas vezes em minha vida eu recebi flores.

-Obrigada! Não precisava se preocupar. Olha como seus colegas estão zombando de você.

-Não me importo com isto. Vi a rosa e pensei em você. Aí colhi e trouxe.

Eu quase fui às lágrimas.

A noite eu fiquei olhando para a rosa e pensando em Marilton. Senti um pouco de suavidade em mim como eu geralmente não sentia.

Segui meu trabalho ao lado dele. Um dia estávamos sozinhos e muito próximos e ele repentinamente me beijou.

Eu nem sabia como agir. Queria esbravejar mas não conseguia. Olhei pra ele e vi que ele estava completamente sem graça.

-Desculpe. Sei que vai reclamar de mim e eu posso até ser demitido. Eu mereço. Perdi a cabeça porque me sinto muito atraído por você.

Sem me reconhecer eu disse:

-Vamos continuar o trabalho.

Aos poucos eu fui me sentindo atraída por ele e me achando ridícula. Tinha idade pra ser mãe dele. Eu tinha quarenta e poucos anos na época.

Um dia após o trabalho ele me chamou pra tomar um chope com ele. Eu, mesmo me achando louca, fui.

Acabamos em minha casa. Eu o chamei pra entrar. Ficamos ali conversando, o clima foi esquentando. Ele me beijava e entre um carinho e outro acabamos nos entregando ao desejo que nos consumia.

Acordei no dia seguinte com ele ali ao meu lado e eu pensando que estava completamente louca. Olhava aquele homem lindo dormindo ali na minha cama e não acreditava na noite incrível que tive. Nunca poderia imaginar que um homem tão rústico pudesse ser tão carinhoso e ter tanto cuidado e delicadeza ao transar com uma mulher. E ao mesmo tempo ser tão viril e conseguir me satisfazer plenamente. Nunca senti nada igual com ninguém até aquele dia.

Pensei em mandá-lo embora assim que ele acordasse e dizer que esquecesse tudo que aconteceu.

Ele acordou e sorriu pra mim e eu me desarmei. Ele me abraçou e eu me entreguei novamente sentindo imensa atração e tesão por ele.

Mais tarde ele foi embora e eu passei o final de semana pensando em tudo que aconteceu. Estava decidida e dispensar o serviço dele e mandá-lo de volta para o seu setor.

Na segunda quando eu cheguei pra trabalhar ele já estava lá. Sorriu e me deu um chocolate. Eu fiquei pra lá de sem graça. Agradeci mas disse pra ele esquecer o que nos aconteceu. Que aquela situação era completamente improvável e absurda.

-Eu sei que você não é pro meu bico. Sei que não mereço você. Mas a gente não manda no coração.

-O que tem o coração a ver com isto tudo que nos aconteceu?

-Eu estou apaixonado por você.

-Ora, não seja ridículo. Eu tenho idade pra ser sua mãe.

-Mas não é minha mãe. E esta coisa de idade não tem importância.

-Vou pedir pra você ser substituído. Você volta lá pro seu setor e não se fala mais nisto.

-Por favor. Não faça isto comigo. Estou gostando tanto de trabalhar com você.

Eu me senti mexida em minhas emoções. Ninguém gostava de trabalhar comigo por causa de meu mal humor, minha arrogância e prepotência. E aquele jovem rapaz estava dizendo que gostava de trabalhar comigo. Sem pensar em mais nada eu o deixei ficar.

Mais tarde em minha cama eu sentia saudade dele e de tudo que vivemos. Ali naquela solidão decidi que iria viver aquele caso absurdo enquanto estivesse trabalhando naquele lugar.

Vivemos noites de amor, sexo e prazer deliciosas. Eu nunca me senti tão bem e feliz. Eu estava me sentindo bem e de bom humor.

Por fim chegou a hora de voltar pra casa. Na última noite que estivemos juntos ele chorou ao se despedir de mim. E eu, aquela mulher durona e insensível chorei também.

-Volta pra me ver. Vou sentir tanta saudade.

-Eu também. Assim que der, eu volto sim.

Eu fui embora. Eu sempre ligava pra ele. Apesar de ser uma situação tão absurda, eu me sentia apaixonada e morria de saudade daquele menino lindo e especial. Nós dois não tínhamos nada em comum. Nossos mundos eram totalmente diferentes e incompatíveis. Eu era quase vinte anos mais velha que ele. Mas a despeito de tudo isto, eu estava amando.

Resolvi tentar mais um tratamento com psicólogo e desta vez levei a sério. Queria mudar por aquele amor. Mesmo sabendo que provavelmente não daria certo.

Fui algumas vezes lá me encontrar com ele. Quando ele veio me ver, foi um desastre. Ele se sentia um peixinho fora d`água na cidade grande. Não sabia muito bem se comportar nos ambiente que eu frequentava. Quis lapidar aquela jóia. Mas depois eu pensei que ele não merecia ter que se adequar à minha vida. Seria muito sofrido pra ele. Ele era um diamante bruto. E esta era a sua maior beleza e felicidade.

Meu tratamento estava me transformando, comecei resolver meus traumas e me tornar uma pessoa melhor. Marilton também em sua simplicidade me transformava em uma pessoa bem melhor.

Tempos depois pedi transferência para um lugar mais próximo de onde ele morava e a gente se via com maior frequência.

Depois que me aposentei mudei pra perto dele. De lá eu gerenciava meus negócios. Ele trabalhava durante o dia e coloria e alegrava minhas noites com seu amor, carinho e prazer. Eu me sentia realizada, feliz e satisfeita junto dele.

Jamais imaginei que um dia me entregaria a um amor tão improvável, jamais imaginei que com todas as nossas diferenças pudéssemos ser felizes. Não importa se ele não sabe falar bonito, se eu não posso conversar com ele muitos assuntos que eu gosto, se ele não tem o refinamento das pessoas a que eu estava acostumada.

Aprendi que pra ser feliz não é necessário muito. Basta que exista amor, comprometimento, cumplicidade, carinho e muita vontade de se entregar.

Eu nunca fui feliz em meu meio, com as pessoas do meu círculo, com pessoas que eu achava que devia conviver.

Sei que um dia eu posso perdê-lo, mas eu não me preocupo com isto. Aprendi com ele a viver o hoje e deixar o amanhã pra quando ele vier.

Nádia Gonçalves
Enviado por Nádia Gonçalves em 13/01/2022
Reeditado em 14/01/2022
Código do texto: T7428821
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