Amor descompassado
Amor descompassado (José Carlos de Bom Sucesso – Academia Lavrense de Letras)
Pedrita era uma linda jovem. Com seus dezoito anos, de cabelos longos e pretos, olhos verdes, usando os óculos que combinavam com o pequeno e moldado rosto moreno, sobrancelhas serradas e bem feitas, orelhas pequenas e enfeitadas com o par de brincos feitos em ouro maciço, em pequenas pedras verdes que se assemelhavam às esmeraldas procuradas pelo bandeirante Fernão Dias. Rosto pequeno e moreno, ainda ficava mais airoso na cor morena. Sempre vestida com vestidos finíssimos em cores combinadas. Tinha o hábito de usar cintos que harmonizavam com os belos vestidos. Usava sandálias e sapatos sempre nas cores pretas. Corpo esculpido para jovem da idade. Pintava-se as unhas com esmaltes coloridos e disfarçavam das mãos calejadas no trabalho rural, onde cuidava de hortaliças, limpeza dos pátios e ajudante da mãe na arte de cozer. Muito fina e educada, sempre estava a estudar e já se preparava para o estudo de professor. Gostava de ensinar os irmãos mais novos. Lia muito e apreciava as obras do saudoso José de Alencar. Sentia-se como se fosse a personagem “Iracema, a jovem dos lábios de mel”.
Senhor Herculano era um vizinho próximo do sítio da família. Alguns anos lhe pesavam sobre às costas. Não casou, mas teve algumas namoradas. Enfim, o tempo foi passando e de tanto querer escolher alguém para viver em harmonia familiar, não conseguiu. Dizia que ficaria solteirão e ainda não encontrara a pessoa amada. Contava-se que ele foi apaixonado por uma colega de infância, quando jovem. Segundo informações, a amada faleceu em acidente de barco. Foi levada pela correnteza do grande rio e encontrada três dias após.
Herculano tinha muita amizade com a família de Pedrita ao ponto de alguns dizerem que ele encontrava na garota a antiga amada. Pedrita, assim como outras jovens da época, somente queria se divertir. Não penava em amores. Queria somente estudar e ser professora. Sempre comentava com os pais sobre a atenção que Herculano lhe dava. Ela, porém, não dava importância e somente queria brincar com ele e fazê-lo desistir de compromisso sério.
Ela e mais dois irmãos menores iam todos os dias para os estudos na cidade, que se distanciava por cerca de cinco a seis quilômetros. Outros jovens e crianças iam também e perfaziam cerca de doze a quinze pessoas entre adolescentes e crianças. Pedrita era a mais velha e fazia a guarnição da criançada. Não pegavam carona e sempre iam conversando entre si. Ela, por sua vez, fazia a coisa mais linda que gostava: Ensinar. Explicava teorias sobre a Matemática, Geografia, História, Física, Língua Portuguesa e Literatura. Adestrava as crianças que sempre lhe perguntavam alguma coisa. Ouve relato que ela montou uma pequena sala de aula para ensinar as crianças no período das férias e feriados.
Herculano, quando a via, sempre dizia algumas palavras lindas para a moça. Declamara alguns poemas, mas ela, muito estudiosa, terminava de declamar o final dos versos. Com o belo sorriso, a voz mansa, dizia que o autor do poema era fulano de tal, o ciclano, enfim, ela o cortava sempre. Para ela, tudo era festa.
Certo dia, quando retornava da cidade, juntamente com os dois irmãos e a amiga vizinha, em período de férias, teve uma ideia. Parou por alguns instantes perto da estrada. Pediu que as crianças e a amiga vigiassem se não havia alguém por perto. Demorou pouco tempo, mas, ao sair, o brilho da alegria era visto no belo rosto. Sorria feliz. Continuando a caminhada, disse que iria rir muito e se divertir.
Subindo no pequeno morro de pouco mais de cem metros, entre os pequenos barrancos cobertos pela vegetação de gramas e muitos arbustos, eles depararam com Herculano, que descia vagarosamente a estrada. Estava ele montado no cavalo de estimação de nome “Baio”. Bem vestido, com calça de linho grosso, botas e perneiras nas cores pretas, usava camisa xadrez. Sobre a cabeça, o chapéu branco. O rosto suado pelo calor, via-se algumas gotas de suor.
Com a voz mansa e querendo sempre conquistar o amor da jovem, assim ele disse:
- Morena, cor de jambo. Semelhas com “Iracema, a virgem dos lábios de mel”. O que trouxeste para este teu admirador, que há muito tempo preiteia o teu lindo amor?
Feliz ao ouvir os elogios do homem, com o sorriso nos lábios ela assim disse:
- Oh, candidato a meu amor. Sou ainda jovem. Não quero ainda amar. Pretendo-me realizar profissionalmente. Porém, insistes em me conquistar por tuas belas e cintilantes palavras, que somente o escritor eterniza no mais sublime texto escrito no mais alto estilo.
- Vou desapontar-te mais uma vez.
- Hoje, não te darei o meu amor.
- Fui à cidade comprar alguns mantimentos para minha casa. Eu, meus irmãos e minha melhor amiga. Comprei maçãs. Veja-te como elas estão belas.
- Não esqueci de ti, que gostas de frutas frescas.
- Estas vendo aquela moita de capim ao longe, ao término da colina?
Ele, imediatamente respondeu:
- Sim, minha Rainha!
A moça rindo tanto, que mal podia dizer, exclamou:
- Não me esqueci de ti. Lá, estão as mais lindas e doces maçãs que alegrar-te-ão os próximos dias. Busque-as, pois daqui do alto morro, estarei vendo-te recolhê-las e levá-las para tua casa.
Agradecendo o presente da jovem amada, ele se dirigiu para a moita de capim onde o presente estava.
Eles sentaram e aguardaram que Herculano recolhesse as belas e doces maçãs.
Sorrindo a todo tempo, a jovem permaneceu ali por algum tempo.
Quando Herculano apeou do cavalo, aproximando da moita de capim, ele viu o embrulho de papel com algo dentro. Em algumas cores estava o embrulho que logo ele abriu. Dentro, estavam pelo menos oito pedras e a mensagem escrita:
- “Lindas maçãs argentinas, tão doces e macias. São para alegrar teu amor nos próximos dias.”
Tirando o chapéu da cabeça e coçando alguns fios de cabelos, pois ele era calvo, disse:
- Moreninha endiabrada. Ela me fez acreditar que eram maçãs...
Às gargalhadas, Pedrita perguntava se ele gostou. Ria muito e foi sumindo pela pequena vegetação da estrada até chegar em casa.