AMOR ALÉM DA VIDA
Aldo desceu calmamente as escadas do velho sobrado até atingir o térreo, abriu a grade de entrada e olhou a rua. Estava tudo escuro e o frio imperava naquele local, a rua estava deserta. Como estava com seu casaco enfrentou aquela situação, pois precisava ver Maria, como sempre ela lhe aguardava na esquina e ele não podia deixá-la esperando naquele lugar ermo. Andou alguns passos e chegou até a esquina, percebeu que não havia ninguém. Voltou decepcionado e ficou na entrada do sobrado, olhou para a esquina e lá estava Maria, ela acenava prá ele. Era a sua pretendida, sua deusa e não podia fazer isso com ele que tanto lhe admirava. Ela apenas sorria. Tinha vontade de voltar lá, mas sabia que não iria vê-la, ela sumiria como fazia das inúmeras outras vezes.
De volta ao segundo andar do velho pardieiro sentou-se na cama e ficou a olhar a janela, o rádio de pilha em cima de um móvel tocava uma música antiga. Ele gostava de ouvir esse tipo de música. Foi até a janela, sentia sempre esse impulso, lá estava a mulher dos seus sonhos, lá estava Maria, sua namorada brincalhona, na esquina da rua escura. Teve vontade de descer novamente, mas se conteve, sabia que indo lá não a encontraria, como das outras vezes. Pobre Aldo - pensou ele mesmo sobre si. Não agüentava mais essa situação complicada e misteriosa, queria tanto rever a Maria, aquela que lhe deu tanto prazer no passado, mas o destino se encarregou de separá-los de uma forma trágica.
Era verão de 1969, Aldo namorava Maria, eram felizes, eles tendo a mesma idade, 20 anos, já fazia quase dois anos de namoro e até já pensavam em casar. Gostavam de se divertir no parque da cidade, muito visitado nos finais de semana por casais de namorados, gostavam também das películas românticas no único cinema do bairro, o que deixava ambos encantados e mais amorosos ainda. Sonhavam com esse casamento para breve, queriam ter suas vidas como dois pombinhos apaixonados. Mas uma fatalidade destruiu esse encanto quando voltavam do parque depois de uma tarde maravilhosa. Um carro desgovernado e em alta velocidade colheu Maria, que instintivamente soltara a mão de Aldo no intuito de se proteger e avançou para o outro lado da avenida. Foi tarde demais, ela foi atingida em cheio e jogada para longe falecendo no local. Aldo enloqueceu, a princípio ele nem entendeu o que tinha acontecido.
Passaram-se meses e ele sempre sonhando com ela, era como se ele vivesse apenas nesse mundo dos sonhos, quando acordava entrava em pânico, tinha crises e acabou sendo internado em hospital psiquiátrico onde tomou muitos medicamentos. Perdeu totalmente o senso de responsabilidade e foi considerado louco. Não conhecia ninguém, nem a própria família, apenas pronunciava o nome da amada. Maria passou a ser a única palavra que saía de sua boca. Desde que ela morreu ele não se envolveu com nenhuma outra mulher, primeiro porque passou um longo tempo internado a base de fortes medicamentos, depois por conta da loucura que se abateu sobre ele, ficando somente armazenada em sua mente a imagem de Maria, a quem chamava sempre, até que começou a "vê-la" na esquina da rua onde morava. Foram mais de vinte anos tendo essa alucinação. Ele a "via" da janela do prédio, descia para encontrá-la, mas chegando lá não existia ninguém. Aos 56 anos ele acabou falecendo, a loucura não o deixava em paz e o excesso de medicamentos acabou prejudicando a sua saúde.