O Sonho Era Cristal E Se Quebrou
Em meados da década de 1940, quando eu era bem jovem, tive uma linda namorada.
Naquela época havia o romantismo. Uma música nos levava a sonhar com a mulher amada. O cavalheiro fazia a corte à dama. Na praça da cidade as mocinhas casadoiras faziam o footing, enquanto os rapazes se encantavam e se enamoravam por aquela que que lhe arrebatasse o coração.
Foi por esta época que conheci aquela jovem de cabelos longos e escuros, olhos claros, uma pele muito clara, muito esguia e muito linda.
Eu ficava encabulado diante dela e nem conseguia me aproximar. Ela notou meu interesse e começou discretamente dar sinais que também queria me conhecer.
Por fim eu me aproximei dela e de tão nervoso estava até gaguejando. Eu me odiei por ser tão tímido e parecer tão ridículo.
Mas ela, que era uma jovem muito educada, fingiu que não notou meu descontrole.
Começamos a nos encontrar nos finais de semana pra conversar, na praça. E eu cada vez mais encantado e apaixonado por ela. Ela era tão simpática e inteligente, era tão linda e distinta, era tão elegante e fina. Já era uma professora e eu tão tímido e apenas tinha o que se chamava na época de quarto ano de grupo, não era tão bonito e elegante. Na época era até um pouco desengonçado. Eu me sentia nervoso diante dela por todas estas diferenças. Pensava que nem teria o que conversar com ela. Embora naquela época em cidades pequenas como a nossa, era comum as pessoas não levarem os estudos adiante.
E começamos a namorar. Pra mim foi um sonho. Eu estava orgulhoso de frequentar a casa dela para namorarmos no sofá, diante da família. O tempo foi passando e o nosso amor foi crescendo, se tornando forte e nosso namoro foi ficando sério. Eu estava feliz e já sonhava com nosso casamento. Tinha toda a certeza do mundo que ela era a mulher que eu queria ao meu lado por toda a minha vida. Sonhávamos juntos, fazíamos planos juntos. Eu sonhava com ela, dormindo e acordado. Todos os meus pensamentos eram pra ela, todo o meu amor e desejo eram dela.
Menos de um ano depois veio uma notícia que caiu como uma bomba. O pai dela por problemas nos negócios e na vida pessoal resolveu se mudar para a capital do Estado.
Nós dois estávamos tristes e decepcionados, sabíamos que não podíamos nos casar naquela época. A capital ficava um pouco distante e os meios de transporte entre as duas cidades ainda era precário.
Ela se foi e eu fiquei.
Alguns dias depois chegou uma carta cheia de amor e saudade. Mandou seu endereço e lá fui eu visitá-la com todas as dificuldades de uma viagem naquela época.
Foi um sonho revê-la. Juramos amor eterno e prometemos superar todas as dificuldades para ficarmos juntos. Mas não imaginávamos como seria difícil o meu deslocamento para manter este namoro.
Eu não podia ir lá sempre e a gente namorava por cartas. Esperava ansiosamente pelas cartas dela e quando eu ia até lá era um sonho.
E fomos levando este namoro assim até o dia em que meu castelo de cartas ruiu, meu sonho que eu julgava que era um diamante, pra toda a vida, era só cristal e se quebrou.
A carta dela chegou e eu, ansioso, corri para o meu quarto pra ler. A medida que fui lendo minhas lágrimas rolavam pelo meu rosto. Dane-se que um homem não chora, meu coração estava partido e eu não conseguia segurar minhas lágrimas. Na carta ela me explicava que o nosso namoro estava muito difícil, que seu pai não estava querendo mais que continuássemos e que tinha conhecido um outro rapaz.
Aquilo foi como uma punhalada em meu peito de jovem romântico.
Eu lia a carta, ouvia nossas músicas e chorava. Por muitos dias eu fiquei deprimido e querendo morrer.
Por muito tempo eu não queria saber de mais nada. Não queria sair nem passear e muito menos conhecer qualquer outra pessoa.
Algum tempo depois eu conheci uma jovem. Nós começamos a namorar e eu me apaixonei novamente, mas não com a intensidade e romantismo que existia naquele primeiro amor.
Namoramos algum tempo, noivamos e nos casamos. Tivemos nossos filhos, tinha um casamento estável, mas não tão feliz como eu sempre sonhei.
Aquela carta que partiu meu coração ficou guardada. Eu sempre a mantive me meu cofre e quando a vida me feria, quando meu casamento me aborrecia ou magoava, eu pegava aquela carta e relia. Observava a letra de professora dela, sentia novamente aquelas emoções e lembrava do nosso amor.
E assim fui seguindo a minha vida.
E assim aquela carta me acompanhou ao longo do tempo. E eu sempre retornava a ela.
Quase quarenta anos depois de me casar eu me divorciei de minha esposa. Não deu mais para continuarmos juntos.
Como sempre eu me refugiei naquela carta. Lia e relia aquele papel já amarelado.
Conheci uma outra mulher e vivemos juntos, mas nem assim eu me esquecia da carta.
Um dia, em que estava brigado com minha companheira, decidi procurar aquela mulher.
Apesar de já ter quase oitenta anos eu cismei que queria reencontrá-la e quem sabe me encantar novamente. Com a ajuda de algumas pessoas eu consegui informações. Consegui o endereço e número de telefone dela. Ela morava bem longe agora. Mas tinha medo de ligar pois sabia que ela havia se casado. Tentei encontrar pessoas conhecidas e acabei sabendo que ela estava viúva.
Eu me enchi de coragem e liguei para a casa dela. Quando eu ouvi aquela voz doce e suave meu coração se derreteu. Eu me identifiquei e ela se lembrou de mim. Nós conversamos por muito tempo. Recordamos nosso namoro e ela disse que nunca me esqueceu. Cada vez eu me sentia mais entusiasmado. Conversamos por telefone muitas outras vezes.
E eu resolvi marcar um encontro com meu grande amor. Eu parecia um rapazinho adolescente. Eu ia reviver aquele amor.
Quando cheguei na casa dela, meu coração batia a mil. Eu estava emocionado. Estava sentado na sala quando ela entrou. Quando eu a olhei eu não reconheci. Ela estava em uma cadeira de rodas. Estava doente há algum tempo e estava um pouco debilitada. Eu senti uma grande decepção. Eu vi também no olhar dela uma grande decepção.
Nós guardamos em nossa retina, em nosso coração e em nossas lembranças a imagem do namorado e da namorada que fomos. Ao nos ver já idosos a nossa reação foi de decepção, de negação, de não reconhecimento daquela pessoa que amamos.
Por uma vida eu sonhei com aquela mulher e ela comigo. E agora nossa vida passou. A imagem que guardamos congelou, mas o tempo passou para nós. Uma vida inteira de sonho um com o outro não passava de uma imagem borrada.
Constrangidos, nós conversamos, relembramos tudo que vivemos, rimos, nos divertimos.
Depois dissemos adeus. Eu parti com a sensação de frustração e a deixei frustrada também.
Eu fui pensando em todos estes anos que eu vivi fantasiando aquele romance e muito tarde aprendi que não se pode alimentar por uma vida um amor perdido, que o passado não volta e que o tempo muda tudo.
Aquele sonho tão lindo era só um frágil cristal que pela segunda vez se quebrou…