BASTIDORES
Chorava copiosamente. Na mão o bilhete que ele mandara entregar pelo segurança da boite:
"Me perdoe. Preciso voltar para junto da minha família. Saiba que nunca vou te esquecer"
As amigas tentaram a consolar como podiam. Uma com um diazepan, outra com meia garrafa de gim e a mais sem noção, com cinco carreiras de cocaína. Todas lhe aconselharam a cancelar sua apresentação, o que ela recusou.
Subiu ao palco e cantou. Pôs em sua voz a felicidade de ter sido amada, de limpar a casa e preparar o almoço para o marido, de desfilar com ele entre as amigas e caminhar de mãos dadas pela Augusta e Paulista. Das tardes de segunda andando de bicicleta no Ibirapuera. Cantou a dor da perda de ser aceita sendo quem ela era e a estupefação de como tudo isso se esvanescera em apenas um instante.
Quando terminou, vazia dentro de si, julgou vê-lo escondido na penumbra. Mas isso se perdeu nos aplausos efusivos da platéia e nas lágrimas torrenciais que borravam a maquiagem de suas colegas travestis.