CONTINHO DO AMOR QUE ACABA
O moço, quando partiu, disse que não sofresse, que um dia voltava. Que o amor verdadeiro jamais acaba, levando-o consigo até o dia do reencontro. Seriam, aliás, muitos os reencontros, porque o amor fosse tanto e a distância de centenas de quilômetros não os impediria. O amor enfrenta rodovias, preço de combustível, troca de óleo e pneu, tarifa de pedágio, comida de estrada.
Ela não confiava em promessas. Guardou luto que se destina aos amores finados. O tempo passou. Engordou, apareceram mais rugas, disputando lugar de desenho na face. Quem tece esse desenho? Ocupou-se muito de trabalho e pouco de amores. A alegria que lhe sobrava durava o tempo brevíssimo de uma linha de inscrição no currículo e, uma vez finalizado, tudo já era esquecido. Para muita dedicação, o que sobra além das referências breves ao sabor da nova ABNT?
Há dois anos o moço anuncia que volta. Pelo Facebook, acompanha-o em viagens, os muitos lugares que visita. Cruzou o país de cabo a rabo. Norte e sul, leste e oeste. Só os quilômetros que os separam continuam não atravessados. Talvez um incêndio em Guaraí, não notificado pelos portais. Talvez tenha caído uma ponte. Talvez haja uma manifestação tamanha em Paraíso. Talvez os caminhoneiros de esquerda ameacem o governo com a paralisação que principia justamente no Tocantins...
Só espia paciente as andanças do amor andarilho, ciente daquilo que jamais teve jeito. Ainda de luto, neste dia de finados, escreve o que não cabe no Lattes: o amor tem seus itinerários.