Pequenas histórias 251 252 253
O presente.
Sugestão do amigo poeta Savasini
Precisava comprar um presente. Se é que precisava. Na verdade, estava em dúvida, não sabia definir com exatidão se ela merecia ou não. Cansado de suas impertinências, às vezes em demasia, caia sempre no lugar comum. No seu modo de pensar, o presente deve ser algo diferente, algo que a pessoa não estivesse esperando ganhar. Que sempre se lembrasse de você. É! E o que ela esperava ganhar? E o que comprar? Roupas? Nem pensar! Da última vez dera um vestido pensando que agradava, procurou um bem especial, uma saia estilo cigana, rodada, cheia de bordados, tecido especial, foi um desastre. No momento em que ela abriu o pacote, viu a seda estampada, puxou o nariz para um lado que ele conhecia bem. Assim mesmo, disfarçando ou tentando disfarçar a decepção, foi até ele e beijou sua face. Incrédulo pensou ter acertado em cheio. Porém, dias depois viu pedaços do vestido sendo usado como pano de chão. Nada disse. Apenas sentiu no peito a marca de que não acertará.
Dessa vez tinha que acertar, porra! Disse entrando na loja. Já tinha vasculhado todos os magazines possíveis, talvez nessa loja chique encontrasse o que procurava. Dissimulando a timidez, perguntou a vendedora que se aproximava:
- Ahn, por favor.
- Pois não, senhor, o que deseja?
Porra! O que ele deseja. Será que conseguiria expressar exatamente o seu desejo? Olhando para a bela morena a sua frente, exprimiu em pensamento:
- Desejo você na cama comigo...
- O que foi Senhor?
- Desculpe nada não, não disse nada.
Gentil a bela morena não deu a perceber o sentido de suas palavras.
- Bom. O caso é o seguinte... To a procura de algo especial. De algo que nunca dei como presente entende?
- Não sei se entendi direito. Mas o senhor está a procura de um presente magnífico. É isso?
- Sim, vossa excelência captou minha mensagem jovem guru. Como será o feminino de guru?
- Não sei senhor. E acho que isso não é o mais importante agora, não é senhor?
- Evidente que não é. Desculpe-me, é que estou quase ficando louco por causa desse presente.
- Entendo.
E durante quase uma hora, a gentil vendedora morena, que só conseguia imaginá-la nua na cama com ele, ouviu várias sugestões que foi descartando uma a uma, até esgotar a paciência da moça.
- Olha, desculpe tomar o seu tempo, a sua gentileza, não é nada disso.
- Pois não, senhor. Estamos aqui para servi-lo. – disse com o semblante de que não era desejado ali.
Novamente na calçada imprimindo os passos sem que ficasse a marca visível, como os famosos deixavam na calçada da fama, perdido, abobalhado, atulhado de dúvidas, já tinha esgotado todo o seu arsenal de probabilidades. O que deveria fazer, disse ao reflexo no espelho da vitrine de uma loja de calcinhas e sutiãs. Não, roupa intima nunca. Não conseguia nem comprar absorventes, como poderia comprar uma roupa intima para ela? Nunca, gritou o subconsciente.
- Quanto custa? – perguntou.
- Duzentos. – respondeu a coreana sem olhar para ele.
- Duzentos o que?
- Duzentos reais.
- Tem desconto?
- Desconto não.
- Mas tá muito caro?
- Se vai querer comprar, compra logo, se num vai querer comprar vou guardar.
- Está bem, não precisa ser rude.
- Num ser rude. Ser prática vendedora, negócio, dinheiro.
- É eu sei.
Estava quase duas horas naquele antro de bugigangas e tralhas contrabandeadas. Lojinhas minúsculas, apertadas onde mal dava para entrar e escolher com calma. Precisava empurrar, se enfiar entre corpos e corpos de homens e mulheres se quisesse comprar alguma coisa. Falar por cima dos ombros para o vendedor entender. Corredores e mais corredores deixando-o confuso, passando pelas mesmas lojas mais de uma vez.
- O senhor de novo?
- Ah! Desculpe, já passei por aqui?
- O que o senhor acha?
- Ta bem, não precisa se ofender.
E lá voltava ele a perambular entre os corredores infernais. Até que conseguiu se achar naquele pandemônio de ida e vindas e vindas e idas. Uma barulheira de vozes e sons indecifráveis.
- Desculpe. Com licença.
Conseguiu entrar numa apertada lojinha. Tinha visto uma parafernália tecnológica. Talvez, ela gostasse, vamos ver, pensou ao erguer a cabeça para falar com o vendedor de cara amarrotado.
- Diga.
- Queria ver aquele porta-retratos.
- Este?
- Não, o outro, da direita.
- Ah! Este?
- Não, eu disse direita e não esquerda.
- Sim. Pronto aqui está.
Ao mesmo tempo em que o coreano o atendia, atendia também diversas pessoas, tudo numa confusão de vozes, perguntas e esclarecimentos.
- Por favor, para que serve isso?
- Ligar televisão.
- Televisão?
- É televisão – disse atendendo o sujeito ao lado dele – cinema, música o que quiser.
- Interessante. Tem garantia?
- Garantia? É?
- É garantia.
- Três meses.
- Só isso?
- Só isso mesmo.
- Quanto é mesmo?
- Duzentos e cinquenta.
- Duzentos e cinquenta reais? Tem desconto?
- ... – silêncio.
- Faz um desconto que eu levo.
- ...
Ele ficou esperando.
- Tá bom. Desconto, duzentos e quarenta.
- Dez reais de desconto, razoável. Vou levar.
Nisso ouviu-se barulho de portas metálicas, de correr, sendo fechadas com estrondo.
- No. De novo? Segunda vez que eles aparecem. – disse o coreano arrancando o dinheiro e jogando a caixa na mão dele.
No corredor não pode sair. Três policiais catavam as mercadorias e jogavam para dentro do saco plástico. De repente, ficou cara a cara com os policiais. Sem perguntarem nada, arrancaram da mão dele a caixa e jogaram para dentro do saco.
- Ei, espere. Isso é meu. Comprei agora mesmo.
Um dos policiais perguntou para o coreano de cara amassado.
- Você vendeu para ele?
- No, não vender nada pré ele.
- O que? Não me vendeu o porta-retratos?
- No vende nada aqui.
- Vendeu sim.
- Então mostre a nota fiscal – gritou o policial.
- Não tenho nota nenhuma, eles não dão nota.
- Então você não comprou nada.
- Espere. O coreano filho da puta, diga para eles que comprei...
- No. Coreano não vende sem nota fiscal.
- Seu desgraçado, vou te bater.
Os policiais o seguraram, mesmo assim, conseguiu com a mão fechada acertar o queixo do coreano que caiu para trás gritando.
- Bateu em mim...
Os policiais o agarraram.
- Vamos. Vai para delegacia.
Enquanto o levavam, olhou para traz e viu o coreano entregando um maço de notas para o policial que parecia ser o comandante da operação. Tentou se livrar das mãos dos soldados sem sucesso. Jogado para dentro do camburão, junto com os outros coreanos, sentiu-se humilhado, fraco sem poder agir. Olhou o relógio. Vinte e duas horas! Ela está esperando, é seu aniversário. Deve estar preocupada. Não vai acreditar no que está me acontecendo. Que merda! E enfiou a cabeça entre as mãos e dormiu.
- Ei. Dorminhoco, acorde.
Gritou o policial batendo com o cassetete nas grades. Levantou a cabeça sonolenta. Olhou em volta. Estava sozinho na cela.
- O que foi? Onde estão os outros?
- Que outros? Não têm outros, só tem você.
- Como não! Quando me trouxeram tinha bastante coreano aqui na cela.
- Cê tá sonhando, meu. Acorda malandro.
- Não sou malandro.
- Não grite comigo, o meliante, senão passa a noite aí para ver o que é bom.
- Tá bom, desculpe.
- Tá desculpado. Pode sair. Está livre. Não há nenhuma acusação contra você.
- Que horas são?
- Duas horas da madrugada. Pegue suas coisas e puxa o carro, vamos.
Pegou suas coisas e saiu na madrugada silenciosa. E, agora, José? Perguntou a procura de um táxi. O que mais o preocupava era que não tinha como explicar para a mulher o que lhe acontecera. Não acreditaria nele. O que ela estaria pensando? Preparou-se para o que desse e viesse.
Acreditaria que andou a cidade toda para achar um presente especial para ela? Que foi preso naquela espelunca tentando comprar um porta-retratos digital? Não acreditaria. Também porque foi entrar naquela merda. Tinha conhecimento que a federal estava sempre dando batida, prendendo, apreendendo, fechando, mas também não podia a polícia esperar ele sair? E agora, José? Sem grana, sem o presente, sem nada, cansado, sujo, suado, cheirando a azedo, a roupa amarrotada. Bom, vamos ao que der e vier, pensou.
Ao descer do taxi, pagando a corrida ao motorista, olhou para cima. Que merda! A luz do apartamento estava acesa, isto queria dizer, que ela estava acordada esperando-o. Esticou o dedo para pressionar o botão do elevador, pensando melhor, decidiu subir pela escada, assim daria tempo para pensar melhor. Eram apenas oito andares.
O casamento capengava há um bom tempo, desde o nascimento da segunda filha, procurava uma solução para que não degringolasse de vez. Já tinha feito de tudo, chegara ao ponto de se rebaixar, no entanto o ciúme terrível da mulher vinha estragando tudo. Até que um dia, não aguentando, anunciou que iria deixá-la. Disse num momento de raiva, num momento em que a razão falou mais alto que o coração. No mesmo instante se arrependeu. Não voltou atrás, ela não retrucou, ficou quieta, nada disse. Então, ele deixou como estava.
Foi então, ao se barbear antes de sair para o trabalho, deu um ultimato a ele mesmo. Será hoje, vou procurar um belo presente para ela, tentar conquistá-la, aplacar o seu ciúme aterrador, provar que só ela é que era a dona do seu pensamento. Caso continuasse com os ciúmes decidiria mesmo a ir embora, deixá-la com as crianças. Mas como toda a regra tem exceção, como não podemos saber o que nos acontecerá um minuto antes, teve seu dia de azar. Que merda!
Ofegante parou em frente à porta do apartamento. Tentou ouvir algum som, nada, silêncio total. Devagar enfiou a chave e girou. A porta foi abrindo lentamente. A sala silenciosa descortinou aos seus olhos. Deu dois passos para dentro da sala. A luz acessa, cruzando o teto estava duas fileiras de balões, ao fundo uma faixa com os dizeres: Parabéns, em cima da mesa viam-se copos sujos, pela metade, pratos de bolos amassados, guaranás tombados, uma cena tipicamente de aniversário. Parado no meio da sala ficou observando o vazio de pessoas. Onde estavam todos? Não o esperaram. Nisso, viu um envelope encostado no bolo. Abriu e leu:
- Cansei de esperar. Fomos para a casa da minha mãe. Não sei se voltarei.
Ele deu de ombros. Pegou uma garrafa de uísque, um copo, puxou a cadeira, apoio os pés sobre a mesa, derrubando o resto de bolo no chão. Pouco se importava com ela, no momento o que queria era tomar um bom e gostoso uísque enquanto ouvia o som da madrugada correndo lá fora.
- Amanhã será outro dia, disse mansamente.