I'v been in love before
O ano era 1989, o que seria meu último no Colégio Farroupilha de Porto Alegre, escola que, através de uma bolsa integral, me nutriu e formou de fato, diferente da Técnica do Segundo Grau, carente mesmo da própria técnica, quiça das humanidades que eu tanto adorava.
Era a 8ª série, um ano onde o ânimo dos jovens definitivamente estava aflorando. Era um recomeço e ao mesmo tempo uma despedida. O que tinha de ser feito, tinha de ser... Logo de início conheci Tatiana. Ela era uma linda menina, cabelos longos e uma boca estonteante, que gostava de mim. Opa, vamos rebobinar (nota: termo dos tempos do videocassete, retroceder a fita. Sim, era um cartucho com fita, ainda não tínhamos DVD). Ela gostava de mim? Sim! Mas infelizmente eu não tinha autoconfiança suficiente para corresponder. Nerd (na época era mongolão mesmo), pobre, amedrontado, parecia que aquilo não poderia estar acontecendo comigo. Se me apaixonei por ela? Sim! E era um sentimento forte, talvez o mais forte desde as meninas “não concretizadas” das 6as e 7as séries. De alguma forma eu ensaiava me declarar, estava dando um tempo. Foi quando a Tatiana cansou e começou a namorar um colega de classe chamado Salgado, um surfista bem redundante. De nerd a surfista. Fiquei parado na pista.
1989 teve muita agitação em torno da primeira eleição direta para presidente, desde o final da Ditadura Militar. O candidato da minha turminha (um grupelho de párias sentados, literalmente, contra a parede à esquerda da sala) era o Brizola, que foi uma quase unanimidade do RS no primeiro turno, com 75 por cento dos votos. Eu tinha 15, mas convenci o pai e a mãe a votarem por mim, então tive dois votos... Lembro que fizemos um baita trabalho escolar sobre o PDT e a trajetória de seu lider, desde a Campanha da Legalidade ao Exílio e à Anistia de 79. Não passou para o segundo turno e apoiamos o Lula (puxa, o apoio daqueles escanteados seria decisivo). Não deu. Collor... Eu votaria no PT em todas as eleições seguintes. Até hoje.
Bom, deixando de lado a política e voltando ao amor, que não é menos importante e é o cerne dessa história, passemos por uma curiosidade: por aquela época a Editora Abril lançara uma revista de divulgação científica para jovens chamada Superinteressante, com matérias sobre os mais variados temas, ilustrada e acessível. Me chamou a atenção a série de artigos sobre Albert Einstein e Teoria da Relatividade, que até versava sobre as possibilidades do homem viajar no tempo. Cara, a ciência contemplando a possibilidade de uma volta ao passado? Meu sonho desde as primeiras aulas de História, as minhas prediletas! Bom, chega de enrolação e vamos finalmente ao amor.
Conhecia o Alê desde o início do ano. Mas foi num determinado dia que descobrimos colecionar a mesma revista e ter as mesmas motivações de “ficção científica”. A viagem ao passado... Rever antigas culturas, monumentos milenares no momento de sua construção... Os jovens comuns como nós, como já foram um dia. Os grandes personagens. Passamos a ter intermináveis conversas.
O Alê, ao contário de mim, era um cara diplomático com a turma: magrinho, olhos suaves e claros, bonito e articulado, com umas feições bem germânicas, delicadamente germânicas. Tinha trânsito entre os “descolados” e os “nerds”, com crédito suficiente para não se queimar com isso e ser bem estudioso, sem ser chamado de CDF. Sentava na fileira do meio. Foi quando veio... Algo que eu não sabia explicar e que contrariava tudo o que me fora ensinado pela família, pela Igreja e o escambau... Veio algo realmente sagrado. Eu estava amando aquele garoto. Um garoto? Depois do amor perdido da Tatiana? Sim. É que eu não compreendia ainda a aleatoriedade do amor.
O programa Love Songs da Rádio Cidade tocava como carro chefe uma música já antiga (de 1984) chamada I’ve been in love before, da banda Cuttin Crew. Era uma canção muito bonita que passou a povoar meus pensamentos em relação ao Ale. Passou a ser minha secreta trilha sonora para ele, para nós? Queria dizer algo como “eu já estive apaixonado antes”... Mas eu realmente estava apaixonado. Naquele exato momento. Era um amor de coração. Como eu não entendia e aceitava, me parecia uma amizade muito forte. Não me lembro sequer se existia excitação, ou se eu bloqueava isso. Seguimos o ano. Eu me destaquei como o melhor aluno e monitor de Química da professora de Ciências e o Alê de Física. Eram os dois temas da disciplina para o ano. Bom, mais uma vez formamos um par.
Na boa, acho que até certo ponto eu não estava me tocando da situação toda. Foi numa brincadeira da educação física, onde sentados tínhamos que formar um círculo e, de mãos dadas todos, flexionar o corpo para trás, que surgiu uma piadinha sobre segurar mão de homem. Adivinhem a mão de quem eu estava segurando, quem estava ao meu lado direito. Sim... Foi ai que me caiu a ficha. Aquele sentimento era real. O problema é que eu não sabia o que fazer com ele. Será que a essas alturas eu já aprendi?
O ano se encaminhava para seu término. Eu e o Alê fizemos provas para a Escola Técnica, eu eletrônica e ele mecânica, ambos passamos. Terminou tudo, não nos vimos por um bom tempo.
Um determinado dia na nova escola, no pátio, vi um grupo de meninos se aproximando. As pernas afrouxaram. Sorrindo o seu sorriso de Christopher Reeve para mim, o Alê veio me abraçar. Cara, eu nem me lembro o que eu fiz. Nos cruzamos por ali algumas vezes, até nos perdermos de vista. Depois disso eu tive várias paixões, meninos e meninas, qual a música da Legião Urbana. Mas ainda hoje penso intensamente no Alê, em como ele estaria, se seus planos deram certo... Bem, fiz minha viagem no tempo. Eu já estive apaixonado antes...