Louca Paixão: Um Desatino
Conheci aquele homem quando fui trabalhar naquele grande escritório de contabilidade, advocacia e consultoria empresarial. Ele era um dos sócios e eu, recém-formada em direito, estava procurando um escritório conceituado para consolidar uma carreira de advogada, profissão pela qual sempre fui fascinada e apaixonada.
Ele era um simpático homem beirando os setenta anos. Era muito tranquilo e sempre muito atencioso com todos os funcionários. Estava sempre com um sorriso nos lábios e uma palavra de incentivo. No entanto, no fundo dos olhos ele trazia estampada uma pontinha de tristeza, talvez de nostalgia.
Tivemos uma simpatia instantânea desde que fomos apresentados.
E desde então começou a nascer entre nós uma grande amizade.
Ele era divorciado há alguns anos e se dizia muito solitário. Eu era casada há três anos e meu marido e eu éramos muito apaixonados. Mas todo casamento passa por seus percalços e quando eu chegava para trabalhar um pouco triste ele sempre vinha me perguntar o porquê daquela ruguinha na testa e eu sempre sorria.
Aos poucos passamos a ser confidentes e um grande elo de confiança se formou entre nós.
Um dia notei que ele estava mais triste e taciturno que de costume.
-O que você tem hoje? Está distante, sombrio, triste.
Com um sorriso um tanto melancólico ele disse:
-Algumas lembranças que povoam minha alma e que por vezes me deixam assim. Mas nada que um bom papo com amigos não cure.
-Quer conversar?
-Sabe que eu nunca falei disto pra ninguém? Talvez esteja na hora. Não há mais motivo para segredo. Quem sabe se eu falar eu não exorcize estes fantasmas?
Ele fechou a porta, sentamos e ele começou a falar:
-Quando eu tinha por volta de trinta anos conheci uma linda menina de quinze anos. Na cidade do interior onde nasci, naquela época, era comum bailes no clube. E num destes bailes eu a vi. Menina debutante, num lindo corpo de mulher e o rosto e sorriso mais belos que já vi. Eu era solteiro e sozinho, até um pouco solitário. Passei a noite observando aquela garota. Sonhando. Ela nem percebeu que eu a olhava fixamente. Passou o baile, mas ela não saiu do meu pensamento. Procurei saber mais detalhes sobre ela. Soube que ela estudava num colégio próximo ao meu escritório. E passava todos os dias na porta do escritório. Eu então ficava na porta todos os dias para vê-la passar e ela como mulher que era, logo percebeu. Fingia não ligar, mas ao mesmo tempo sempre passava provocativa e eu cada vez mais louco de tesão e paixão por ela. Muitas vezes eu sonhava com ela. Pensava naquela menina o tempo todo. Não estava me reconhecendo. Sempre fui um tanto frio nestas questões de sentimentos. Mas todos os dias eu estava ali pra vê-la passar. E ela sempre na sua pretensa ingenuidade e timidez de menina, mas com a malícia de uma mulher, me provocava com olhares e sorrisos. Passava desfilando e me enlouquecia de paixão e desejo. Meses se passaram e nós naquele jogo de sedução.
Um dia eu estava sozinho e ela também. Quando ela passou desfilando por mim eu a puxei e num ato de loucura a abracei e beijei. A principio ela relutou mas depois se entregou. E nossos corpos se esfregavam e aquelas curvas macias e aquela boca quente e voluptuosa me deixaram fora de mim. Nunca em toda a minha vida eu havia experimentado uma sensação tão agradável e prezerosa. E nunca mais depois daquele dia também.
Ela se desvencilhou de mim e saiu correndo. E eu fiquei ali igual um bobo, não sei por quanto tempo, sem saber e nem ver nada.
Por alguns dias ela passou na outra calçada sem nem me olhar. Aquilo me deixou pra morrer. Aos poucos ela foi voltando a me olhar e provocar. Aos poucos ela foi baixando a guarda e muitas vezes ela permitia que eu a abraçasse e beijasse. Eu ia ficando cada vez mais louco de desejo. Neste horário não tinha ninguém ainda no escritório.
Numa manhã eu a puxei e sem pensar em nada comecei a acariciar seu corpo e tentar despí-la. Eu queria tê-la por inteiro. Aquela vontade incontrolável era maior que minha razão ou o respeito que eu devia a ela.
Num grande esforço ela se desvencilhou de mim e me deu uma bofetada e então saiu correndo. Eu fiquei me sentindo um canalha, tendo agido como um animal irracional no cio.
Depois deste dia ela nunca mais olhou pra mim. Passava na outra calçada, linda e desejável como era. Eu cada vez mais apaixonado e sentindo um louco desejo por ela.
Várias vezes tentei falar com ela, me desculpar, me explicar e tentar justificar meu destempero. Dizer a ela que eu nunca fui e não sou um pervertido.
O tempo passou. Ela se transformou de adolescente em jovem mulher cada vez mais linda e me ignorava solenemente.
Eu coloquei tudo a perder. Eu poderia tê-la conquistado, poderia tê-la namorado, me casado com ela. Mas fui um inconsequente. Agi no calor do momento e perdi aquela mulher que continuou em meus sonhos pela vida afora.
Um tempo depois, saí daquela cidade, vim trabalhar aqui. Namorei, casei, constitui uma família com dois filhos. Depois me divorciei. Voltei a ser um solitário. Mas aquela menina linda, aquela mulher encantadora nunca saiu de meus pensamentos. O que eu mais queria em minha vida era ter aquela mulher pra mim. Por um dia, por algum tempo, pela vida inteira. Não sei. Mas o fato é que aquele caso mal resolvido sempre me atormentou. Eu nunca tive a oportunidade de me desculpar por aquele desatino, por aquele desrespeito. Fico imaginando o que ela ficou pensando. Fico imaginando se ela algum dia se lembrou de mim, se me odiou, se nunca mais pensou naquilo.
Fico imaginando se ela se tornou a mulher linda e exuberante que se anunciava. Como ela estará hoje? Com cinquenta e poucos anos. Lindissima ainda, com certeza.
Muitas vezes eu sonho com ela. E em meus sonhos eu a tenho por inteiro. Muitas vezes eu sonho acordado com ela. E então eu digo a ela como eu a amei por toda a vida e como eu me arrependo por meu ato tresloucado.
Por um tempo eu fui feliz em meu casamento e este sonho louco nunca atrapalhou. O casamento acabou porque o amor que sentíamos um pelo outro acabou e não teve nada a ver com este sonho, com esta lembrança, com este sublime amor. Ele está guardado bem lá no fundo de minha alma.
Você deve estar pensando que eu sou um louco, não é? Que eu tenho algum transtorno psicológico. Não sei o que ocorre comigo. Só sei que este lindo sonho de amor me faz feliz e triste ao mesmo tempo. Esta lembrança é o que sustenta minha vida e povoa minhas longas noites solitárias.
Eu olhei pra ele sem saber o que dizer. Não tinha direito de julgá-lo. Não tinha como dar um conselho. Não conseguia entender esta obsessão. Senti um pouco de pena por este sentimento que ele carregava pela vida afora e que provavelmente jamais se realizaria.
Sorri pra ele como alguém que está solidário com toda aquela história e como alguém em quem ele podia confiar. Segurei sua mão como quem conforta um amigo.
Ele sorriu e sem dizer mais nenhuma palavra levantou e saiu da sala. Provavelmente exorcizou pelo menos em parte seus fantasmas…