Meras lembranças aleatórias a respeito de nada
Recém formada em psicologia, Ingrid resolveu buscar um pouco da história de sua avó materna para entender pontos obscuros de sua juventude.
Ouvira da mãe que vó Di - Dicéia no batismo, quando jovem tivera um romance com um marinheiro de navio mercante que transportava petróleo para o Brasil antes da 2ª Guerra Mundial e que ancorava no porto de Santos a cada 50/60 dias.
Alguns rumores davam conta que Lary (olha o nome), sua filha mais velha e já falecida, seria fruto dessa paixão. Mas segredos de família, naquela época, iam para o túmulo.
Vó Di contava (segundo as irmãs mais novas), que o marinheiro não mais apareceu depois que eclodiu a guerra e que um tal de Li (provavelmente Lee) havia se tornado ator em Hollywood. Seria a mesma pessoa? Em que filmes atuara? Estaria vivo?
No velho baú a neta encontrou revistas de fotonovelas (comuns na década de 50/60), Seleções, anotações desconexas em forma de poesias, fotos de atores americanos recortadas de revistas e ... fotos de navios. Enquanto a neta mexia e remexia, vó Di, sentada em sua velha cadeira de balanço, a observava com visíveis sinais de reprovação.
- Vó, quem é esse ator?
- Tony Curtis. Esse outro é Rock Hudson. Lindos, né? Assisti todos os filmes deles. Mas agora não tem mais cinema...
- A senhora namorou algum marinheiro chamado Li?
- Li? Marinheiro americano? Não lembro. Fixou o olhar no vazio por alguns segundos e perguntou: - Por que você quer saber? (Mas Ingrid não havia citado ‘americano’).
Não foi por falta de perguntas que Ingrid não obteve sucesso. Um tanto em razão do começo do mal de Alzheimer. Na outra ponta os segredos.
A nova psicóloga concluiu que na sua incursão só encontrou anotações aleatórias e meras lembranças. A respeito do quê? Do nada. Ou quase nada.