Eternidade
No limite das altas montanhas que contornavam a cidade, reuniu-se um casal.
- Vamos, dei-me a mão! Segure firme! ...enfim, cá estamos. Há de estar exultante!
- ...vejais como o céu é estupendo daqui meu amor!
- Estás correta. É mesmo belíssimo. Vê, ali... vistes? Aquela, é a mais radiante. Chamam-na de Sirius. Certamente, há de ser ela!
- Sirius?
- Isso mesmo. Aonde quer que vais olhar, ela será a mais radiante perante olhos nus. A partir dela podemos identificar a constelação do Cão Maior. Percebestes?
- ... onde...?
- Dei-me a mão... essas formam a cabeça, e, aquelas, vê? O corpo, se olhares bem consegues ver aqui a lombar e a perna traseira. Percebestes?
- Sim, sim, eu a vejo! Um tanto esdrúxulo, não?
- Não haveria de ser mais perfeito. Ora, não te esqueças que são astros.
- .... Venha, junte-se a mim. Assim não ficaras com o pescoço peado; o gramado não é tão desconfortável quanto teu colchão acolchoado de pedras.
- .... Tens razão, não é mesmo... olhar o céu de tal forma me recorda a imensidão do universo.
- E precisas olhar? Nem tratamos de sair ao menos dessa cidade. Quando vais me levar para ver o mundo?
- Basta o futuro nos permitir, meu bem. Mas o mundo, é demais para mim.
- Ora, mas nele cá estamos, e como dizes sobre futuro diante de tais semblantes? Irão rir de nós.
- Os céus?
- Os Deuses! Assim que iniciar o dia haverá de ter passado um milésimo para eles?
- ... Claro. Diante de que, para nós, eles são eternos pela distância. Se assim um dia ousar pousar na terra um só Deus, cederá em nosso tempo. Aqui, será ele postergado e sugado pelo que tudo nos atinge.
- A velhice?
- A morte.
- Em Milésimos?
- Ora, pousarão como cinzas ao vento; ou como rajadas de trovão apeando nossas cabeças; até mesmo como um diluvio. Mas saiba-te, vivos apenas nas crenças.
- E há de nós um dia sermos eternos?
- A eternidade nos levaria a ruinas. Onde se encontraria graça de viver, minha donzela? Por que iria queres-te viver eternamente?
- Para amar-te por todas as vidas.
- Ora... tudo cede... tudo partilhar do mesmo destino, a impermanência é a única que reinará por toda a eternidade. Vestes? Este céu não mais haverá de ser o mesmo amanhã. Não tentes tirar a beleza de viver.
- Vês de belo a morte?
- Por que não o veria? É ela que nos determina a sermos egoístas para com qual o nosso precioso tempo mesquinho. A vida é como os tormentos que assombram nosso sono, como as águas que engolem as casas da praia, como o universo, que menospreza nossa pobre existência. Nos contentemos em sermos capazes ao menos de observa-lo tão de longe, de compreende-lo, e, de eterniza-lo até enquanto formos capazes de respirar.
- Seremos um dia estrelas?
- Serás o que quiser acreditar. Serei eu um corpo vazio? Uma alma cabisbaixa ignorada pelas vivos? Um vagante do inferno? Serei para ti também o que acreditastes. Ora, pois, prefiro-me ser uma estrela.
- Estarias muito distante de mim. Quem ensinara-me sobre os astros? Ou mesmo, quem açoitará minhas magoas e me fará refletir? Eu mesma?
- Meu bem... quando eu me for, é provável que estarás junto a mim, onde quer que acredite que haverá de estarmos.
- Não quero que sejais uma estrela.
- O que queres então?
- Que sejas eterno.
- Serei eterno, então. Mas somente... para ti; enquanto há-te de existir. Viveras agora não só por você, mas pela minha eternidade.