Alguém quer continuar? PARTE I

Dentre todas as saudades, a que mais me fere é aquela que fala de mim mesma. Eu tinha certeza de que o mundo contava comigo para alguma coisa muito importante e que eu daria conta antes dos 35.

Olha, já tenho 32 anos de idade e estou longe de me sentir alguém que faça tanta diferença.

Se bem que a culpa disso nem pode ser toda minha.

Lembro do quanto os professores viam em mim, aquela magérrima menina preta, alguém que passaria em primeiro lugar em qualquer coisa que impactaria as pessoas. E se não fosse algo mesmo muito relevante, pelo menos toda a cidade de 10 mil habitantes saberia de tais feitos. Todas as pessoas.

O que por si só já seria grande coisa, já que hoje conto com o anonimato numa cidade ainda mais interior do que aquela onde passei boa parte da vida.

Não me casei, nem adotei os 4 cachorros mais lindos que achasse no canil e muito menos tive as 3 crianças que sonhava em ter.

Me deparo hoje com meu apartamento, até grande para o padrão local e não com a minha casa enorme com quintal gramado nos fundos e pomares para as crianças terem contato com a natureza.

Me dedico a essa pacata vida de vendedora, muito bem sucedida, que largou tudo para viver sozinha, numa cidade minúscula, depois de ser abandonada praticamente no altar.

Se ele pelo menos não tivesse aproveitado o mesmo evento, minuciosamente organizado por mim, para se casar com outra pessoa, já teria me ajudado a superar melhor...

Pelo menos, talvez, eu teria escolhido um lugar que pelo menos tivesse Shopping para gastar meus tostões em lojas caras e um bar que funcionasse depois da meia noite para afogar minhas mágoas.

Fiquei com o cheque que pagaria toda a festa e apagaria todo o "inconveniente" causado. Essa foi a palavra.

O pior foi nem poder culpar a garota pelo tremendo desgosto: ela era muito nova e muito, mas muito mais bonita do que eu, para que eu conseguisse pelo menos ter algo a reclamar dela.

"Foram as cartas de amor que me convenceram..."

Como isso poderia ser verdade? Palavras não podem trazer mais sensações do que uma relação selada em família, desde a infância!

Éramos o casal perfeito. Nada mais que perfeito.

Por isso, por tudo isso, a estranheza daquela mensagem no perfil fake que eu usava para ver de longe a felicidade do casal (morando na casa dos meus sonhos sob a sombra do meu pé de de manga).

Dizia:

"- Sei que cometi todos os erros que poderia, mas não passo uma noite sem me arrepender de tudo. Mas passou a minha vez, não foi?! Imagino que não queira nem ouvir mais falar no meu nome. Só quero que saiba que não estou feliz mais sem você, acabou todo o encanto logo depois que casamos. Espero que esteja bem, que aquele cara te faça mesmo feliz... ainda sinto muito por tudo."

Estou parada no tempo.

Ouço cada segundo batendo no relógio de cabeceira.

Troco de perfil, posto histories e fotos do dia chuvoso que me espera, saio do quarto, a vida me espera.

CONTINUA