Confronto Mortal
Levantou-se da cadeira enfurecido e desferiu as palmas das mãos sobre a mesa que trepidou tudo que nela situava-se, indagando as primeiras palavras que tratariam de entabular um confronto mortal:
- Por que te calas?!
- Quer mesmo que dialoguemos depois de cessares minha única felicidade? Quer mesmo que eu lhe responda os motivos que me fazem engolir as palavras de desdém que eu retenho por debaixo das palminhas? Ou apenas quer atalhar o silêncio que reina a tanto minha mente?
- Conversemos sobre isso então. Indaguemos sobre o que te entristeces e recolhemos as magoas para que não planem sobre os tetos desta casa, nos perseguindo por entre os cômodos e nos consumindo para si!
- Conversaremos, eu e ti? O que nos sucinta é a desolação; o desordenar de nossos sentimentos que se perderam no outrora; o olhar que me discrimina como tua e me iguala a um estrume de um desmedido rebanho. Eis a personalidade desigualar que me qualifica como tão independente de tuas críticas, e, que o seu observar se perde no que não se pode ofender e se encontra naquilo que queres que assim eu seja. Saiba-te, que não tomará para si a minha liberdade de me ser eu mesma. Não insistas, não me afugentas com teus conselhos egoístas e...
- Basta! Odiosa alma tola! Que tuas palavras queimem no fogo que te aqueces tanto ódio. Sabeis bem que o que quero é para ti o melhor, e se não sabes, é por eres uma estabanada. Se te sucedes a mim como tua angustia, aceitarei tal atrocidade, mas que desprenda meu nome das tuas frases repletas de pragas e que trame o teu desencanto nas madrugadas em quem choras ao meu lado. Pensas que não lhe escuto? Se não lhe sou conveniente para fruto de tua ventura por que viestes até mim com teus olhos amaldiçoados e tramastes de acorrentar meu coração nas profundezas do inferno?!
- Por que interrompestes? Mal indaguei-o e já se enfezastes, tens medo do que venho a proferir ou dá verdade que se debate enlouquecida para atribuir a mesa o prato principal? Os olhos com que te encontro são os mesmos que te encantastes no outrora onde nossas almas inquietas só esperavam o tardar do dia para junto ao sol se esconder atrás do mar. Sabei-me bem o quanto o dediquei meus sentimentos e sabeis-vos-tu o quanto esse foi colossal. O que nos permeia agora é nada mais que as faíscas do tempo, resta-nos levar a tal vida que tanto se põe a resguardar...
- Não... não chorastes, minha donzela. Não por ódio. Não por mim. Enxuga-lhe teus pingos que estes só me remetem minha burrice e ignorância: por não nos ver desabar diante de cada passo; por não ver dessolar nesta casa os nossos males.
- Não enxerga que o que nos resta é o tédio?
- Podemos tornar do tédio um recomeço! Varreremos juntos o assoalho e despejaremos para fora o que é malfeitor.
- Se queres varrer do assoalho os malfeitores, varra-te a si mesmo, homem. Os escombros estão espavoridos do quão já lhe escutaram repetir por vezes as mesmas tolices que lhe saem da boca. Tape-a, e tape os teus olhos para que eu não os veja derramar essa tua viciosa falsidade.
- Ora, pois, que assim o seja... que assim os céus me perdoem por ter-te feito tão incompleta. Que os mares me perdoem por ter perdurado em ti suas águas salgadas por tantas incontáveis vezes. Que o meu castigo não se equivalha ao teu sofrimento por uma eternidade, pois, o inferno não sustentaria os gritos de meu sofrer ao compreender o que tiveres que passar ao desprazer de minha companhia. Tratarei de ir, e tão em breve a deixarei com o pouco que eu tenho e que te conquistastes.
- Pobre, homem. Não me casei por tuas quiméricas fortunas. Tampouco minha angustia é destinada tão somente a ti. De que nos adianta perdurar um tramo sentimental tão vazio e sem significado?
- ...
- Percebestes? Não há para nós o que reinar como apenas um. E por que tanto se obstina em omitir esse fato?
- Eu sou vítima de teus abraços, madame. Sou para ti um desfruto, quando eres para mim o acolhimento que me recolhe de meus pensamentos sombrios. Sou-te um nada. És-me tudo. Descompreendo-me a ti a verdade como Einstein compreendia a realidade. Só te nego o que nego, pois, conheço a solidão mais do que algum tolo enobrecido pela felicidade poderia tentar descrever-lhe em mil noites. Não te vás, ou ao menos, não deixe que eu me vá para longe de teus encantos.
- Encantos? Esses tramados pelos meus olhos amaldiçoados? Ou mesmo pelas minhas palavras proferidas com ódio e enfermidade? Me culpas de tua desgraça quando mesmo se jogastes nesse abismo.
- .... Deixe-me que vá, então e, que não lhe ocorra a melancolia. Prometo-lhe que não mais me veras partir ou vir. Há de chorar-te ao menos uma vez depois que eu me for, para que eu sinta ao menos o calor de tuas lagrimas aquecer meu coração frio que tremula acorrentado em teu peito.
...A noite escura e tampouco calorosa ardia em tristeza e um céu cinzento enxurrava o solo. O homem saiu pela porta levando apenas a si mesmo e teus trajes acolhedores. Sentiu na alma a gota incandescente que pingava dos olhos de sua donzela. Partiu, para tão longe quanto fosse capaz de ir.
Em casa, a moça aguardara-o bater na porta uma última vez para ricochetear os sentimentos que ela ainda guardava tão ofuscados no teu coração. Mas aguardou por tantos anos que se fez não mais que um espirito a esperar o desbotar de um novo recomeço, esse, cheio de força e esperança para advir diante de teus olhos outra vez: a felicidade.
Haverá vezes em que se despir da desgraça traçará o teu fim. E, se acolher a ela, levará ao mesmo terminal.
Elias Benedito D.A