AMOR BANDIDO AMOR

Na minha adolescência, lá pelos meus 15 anos, eu tinha uma melhor amiga. Valéria. Todo santo dia ela passava na minha casa para irmos juntas à escola. Infelizmente, não estávamos na mesma sala de aula, mas, mesmo assim, nunca nos desgrudávamos.

A Val era uma menina simples. Morava longe em um bairro mais afastado. Me acompanhava nas minhas loucuras adolescentes (aquelas que a gente se arrepende depois que, supostamente, ficamos adultos). Um dia ela chegou empolgada lá em casa. Estudávamos à tarde e a melhor parte era a ida e a volta da escola.

- Pati - os olhos dela brilhavam. - O Ricardo passou por mim, de moto, e me atirou um beijo.

Meu Deus. O Ricardo não! Ele já devia ter uns 30 anos. E meninas da nossa idade adoravam caras mais velhos. Porém, este não era o problema. O Ricardo era o maior bad boy das redondezas. Andava com uma turma do mal, envolvido com drogas, encrenqueiro e não trabalhava. O pai sustentava os vícios dele. Podia ser qualquer um, menos ele.

- Val. Logo o Ricardo?

- Qual o problema?

- Ele não é boa coisa.

Mas não adiantou. A merda estava feita. Fomos para a escola naquela tarde. Difícil foi suportar minha amiga e os suspiros que ela dava. Minha BFF estava simplesmente encantada.

No outro dia ela voltou mais apaixonada. Contou que havia sonhado que ambos se beijavam. Realmente, Val era um caso perdido. O bairro inteiro sabia que Ricardo não prestava. Até passagem pela polícia ele tinha.

- Você contou para sua mãe?

Era recreio e nós estávamos no pátio da escola. Perguntei com a boca cheia de coxinha. Val, de dieta para ficar mais bela aos olhos de Ricardo, não entendeu minha pergunta.

- Contei o quê?

- Sobre sua nova paixão. Contou?

- Não.

A mãe da Val era muito religiosa. Se soubesse dos sentimentos caóticos da filha, a confusão estava armada.

- Por quê? Conta pra ela. O cara é muito boa gente.

Val ignorou minha ironia. E eu continuei comendo minha coxinha.

*

- Você nem sabe!

Abri a porta e os olhos de Val brilhavam tanto que me ofuscaram.

- O que houve?

- O Ricardo passou por mim e me ofereceu uma carona de moto!

- E você aceitou?!

- Não, o convite foi feito bem aqui na frente da sua casa.

- Ora, por que não pediu para ele te levar para a escola?

- Menina, fiquei tão surpresa que não raciocinei! Uau, ele está mesmo afim de mim!

Me calei prevendo o pior. O Ricardo nem era tão bonito assim. Legal mesmo era a moto dele.

- Quem sabe da próxima vez você aceita?

- Já pensou eu chegando de moto na escola?

- Que isso, Val? Todo mundo vai saber que você está andando com um marginal. Ainda bem que sua mãe não sabe.

- Duvido que ele seja tudo isso - Val protestou, chateada. - Acho ele um doce.

- Aham.

No outro dia, a bomba explodiu. Naquele tempo não havia internet. As notícias chegavam horas depois do fato ter acontecido. Meu pai, no café da manhã, abriu calmamente o jornal. Eu meio que dormia na mesa mastigando um pedaço de pão. Então ele soltou um berro:

- Maria, olha aqui! O filho do Romário foi preso!

Levei três segundos para me dar conta que meu pai se referia ao Ricardo. Dei um pulo e fui até ele. Na Seção de Polícia havia uma foto do Ricardo com um olho inchado e outro semiaberto. Os lábios também estavam inchados.

- Cruzes, pai! O que ele fez?

- Envolvimento com drogas. A polícia pegou ele na tampinha. Foi preso e ainda tomou um pau. Pobre do Romário ter um filho assim.

Mais tarde, quando ninguém estava olhando, recortei a foto. A Val precisava cair na real. Naquele dia ela apareceu de batom vermelho e saia curta. Entendi o motivo.

- Você viu o Ricardo por aí?

Peguei a mochila e saí de casa. Quando nos afastamos um pouco tirei a foto do bolso.

- Olha isso.

- O que é?

- Tire suas próprias conclusões.

Val levou alguns segundos para se dar conta que aquela bizarrice na foto era o seu príncipe.

- Nossa... O que ele aprontou?

- Drogas. É traficante. Foi preso e a polícia parecia estar meio sem paciência com ele.

Meio que me arrependi de ter destruído os sonhos dela. Porém, era melhor aquilo a minha amiga ter que ir visitá-lo no xilindró todos os domingos.

Naquela tarde eu não escutei mais a voz da Val. Ela sofreu em silêncio. Inventou para a direção da escola que estava com cólicas e conseguiu sair mais cedo. O detalhe é que Val levou a foto junto.

Acabei com o sonho encantado da minha amiga. Sei que fiz bem, mas fiquei chateada. Ela tinha condições de conquistar algo melhor que um bad boy com uma moto último tipo.

Dali para frente Val nunca mais mencionou o nome do Ricardo. Um mês depois ela arranjou um namoradinho. O cara só tinha uma bike velha, mas pelo menos não se drogava e parecia ser todo certinho. A mãe da Val adorou o cara, ele era de família. Mas eu sei que no fundo do coração da Val (ou não tão fundo assim), ela ainda pensava no Ricardo.

Em dezembro as aulas acabaram e Val saiu da escola. Ela me escreveu algumas cartas e na última delas me revelou que iria casar com o garoto da bike. Depois nunca mais a vi. Nem com o surgimento das redes sociais anos mais tarde eu a encontrei.

E o Ricardo? Bem, um dia ele saiu da cadeia e terminou morto pelos seus comparsas.

Patrícia da Fonseca
Enviado por Patrícia da Fonseca em 24/08/2021
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