De volta à Ilha (esta é uma ficção)
Ela sabia que ele viria. Já era inverno, a ilha estava deserta, casas fechadas, alguns cães vagavam pelas ruas, as amendoeiras continuavam exuberantes, amava esta paisagem de inverno.
Sabia que ele viria, só de pensar, o coração saltava por baixo da blusa de lã. Há mais de dez anos não se viam, estava arrependida por não o ter acompanhado. Como estaria a casa, o lustre holandês, a lareira de ferro que aquecia a casa no frio, o tapete que os abrigava nas longas noites quando não dormiam.
O mar estava mais azul do que nunca. Tirou o sapato e caminhou até o píer, a areia fria causava arrepios, um veleiro cortava o mar em direção à Ilha Mata Fome. Só queria abrir a porta e saber que ele estaria ali, sentir seu cheiro de mar e de cordilheira, tocar a tribal que ele tinha no braço, ler seu corpo com os dedos, ficar nele para sempre. Palavras não seriam necessárias. Devagar, queria se deixar despir na frente da lareira e depois dormir. As imagens se construíam aos poucos, faltavam poucas horas, o coração acelerava.
O pequeno bar estava aberto, o dono já era outro, bem mais jovem, provavelmente filho de um pescador. Mesmo detestando, ela pediu um conhaque, um uísque, precisava de algo forte, estava tensa, morta de saudade. Engoliu de uma vez só, achou que estava tomando álcool puro, o líquido desceu queimando a garganta. Sabia que ele viria. Adorava o píer, a saída dos barcos para a pesca da tainha, o retorno dos pescadores descarregando as redes repletas de peixes. Sempre ganhava algum e corria para casa, a esposa do caseiro se encarregava de preparar. Era um ritual, depois da refeição, ele sentava ao piano e tocava incansavelmente, muitas vezes, até que a noite chegasse. Ela pagou a bebida e saiu, seguiu pela servidão de sempre, os muros altos, as "buganvilhas" coloridas traçavam um exótico corredor.
Não reparou no jardim que estava bem cuidado, no corredor de pedras que estava limpo, a grama aparada, não havia luz acesa na casa. Como sempre, a chave estava embaixo do vaso, estava ofegante. Entrou sem fazer barulho. O sol sumiu deixando um céu de chumbo, o mar invadia a praia, lembrava o furacão que pegaram em Porto Rico.
Estava levemente tonta, sentia o corpo latejar, uma chuva de folhas se espalhou pelo chão, o piano dormia, nenhuma nota. Sem fazer barulho foi até a sala, a luz era difusa, de fim de tarde, acendeu o antigo abajur que estava sobre a mesa, a personalidade dele estava em toda a casa, era um apaixonado por arte. Junto da lareira, sobre a pilha de lenha, havia uma cesta com frutas, uma garrafa de vinho e uma Coca-Cola, era a imagem de uma natureza-morta. O lustre ainda estava ali, o piano estava coberto, notou que o sofá capitoné, pelo brilho do tecido, sobrevivera ao tempo. Ele dormia sob a manta andina, parecia cansado, o cabelo estava um pouco mais branco, contrastava com a pele queimada do sol dos Andes. Ajoelhada ao lado do sofá, tirou a blusa de lã, de leve, beijou o cabelo, os olhos, ele respirava tranquilo, com a ponta da língua, tocou a boca. Soltou o cabelo, tirou o jeans e, com os dedos, foi traçando caminhos por aquele corpo que ela aprendeu a amar.
A noite desceu sobre a ilha, sobre o piano, sobre o lustre holandês, sobre o tapete, sobre a lareira. Sob a coberta andina, só a exaustão dos dois corpos.