Conto das terças-feiras – Ciúme doentio
Gilberto Carvalho Pereira, Fortaleza, CE, 17 de agosto de 2021.
Josemiro, senhor de 65 anos, viúvo, casara-se novamente com a jovem Felizimina, de apenas 37 anos, formosa, alta e elegante. Não sabemos por que ela não se casara antes, pretendentes não lhe faltaram. Quatro anos depois do casório, o marido começou a ter crises de ciúmes, não deixava a mulher sair sozinha, nem mesmo visitar os parentes, que distavam poucos quarteirões de onde o casal morava. A vida dos dois virou um inferno, briga quase todos os dias, a esposa só chorava. Não tinha coragem de reagir, com medo do marido deixá-la por outra.
Com o tempo, as manias do esposo foram aumentando, não usava roupa marrom, dizia que a cor identificava o marido traído. Ao sair de casa ficava na espreita, de tocaia, por 30 a 40 minutos, pastorando a esposa para ver se ela arredava o pé de casa. Quando voltava, cheirava as roupas dela, vistoriava os dois guarda-roupas, olhava debaixo da cama para ver se havia algum homem escondido. O leiteiro e o padeiro só tinham permissão de entregar seus produtos em sua residência quando ele lá estivesse. Dizia que não era ciúme, só cautela.
Quando saia com a mulher, ela teria que ir bem-vestida, isto é, sem decotes e saia quatro dedos abaixo do joelho. De maquiagem, apenas um batom levemente carmim, cortar o cabelo nem pensar, podia usar sapato de salto moderado e sempre branco ou preto. Era ele quem comprava o que ela precisava até mesmo as peças íntimas.
Fora isso, ele gostava de levá-la ao cinema aos domingos, dançar no clube do bairro onde moravam e, quando sentados bem juntinhos, ficava sempre com o seu braço direito ao redor do pescoço dela, como querendo dizer para todo mundo “que esta aqui é minha, ninguém tasca!”. Esse cuidado todo era para mostrar ao público que o casal vivia muito bem.
Tinha horror de falar em morte. Sabia que um dia isto iria acontecer, mas detestava pensar que alguém iria tomar o seu lugar naquela casa, naquela cama. Apalpar o que era seu, beijar na boca carnuda de sua esposa, isto lhe provocava frenesi, colocando-o em exaltação violenta, em desvario. Quando esses pensamentos lhe tomavam a consciência, procurava ocupar-se fazendo exercícios, para aprimorar o corpo já um pouco cansado.
Sua mulher a cada dia ficava mais deprimida, tinha vontade de deixar aquela casa e sumir pelo mundo afora. Mas pensava:
— Não tenho para onde ir, e nem dinheiro para me sustentar. Não sei mais onde minha família mora, todo esse tempo proibida de procurá-la perdi o contato, pensava alto completamente dominada.
Uma das esquisitices de Josemiro era usar, de imediato, aquilo que adquiria ou ganhava, como roupas, chinelos ou sapatos, dizia que não queria deixá-las para o Ricardão, nome que ele não gostava de ouvir. Afastara-se de todos os amigos que ostentavam esse nome, Ricardo. Via neles um rival, um futuro amante de sua esposa.
A loucura avançou tanto que não saia mais de casa para não deixar a esposa sozinha. Já não procurava emprego, vivia com portas e janelas da casa trancadas. Quem fazia as comprar era um moleque, o Dagoberto, 14 anos de idade, filho de um vizinho, esperto e bem-educado. Mediante uma lista de compras ele dava conta do recado, trazia tudo certinho, deixava na porta para o senhor enlouquecido de ciúme pegar. Nem ele poderia entrar em sua casa.
Como todos sabemos, casos como esses nunca acabam bem. Certa manhã, ao tocar a campainha da casa e não haver a correspondente resposta, o leiteiro deixou o leite ao pé da porta. Procedeu da mesma maneira o entregador de pão, sem se preocupar com o leite deixado ali. No dia seguinte o leiteiro, percebendo que ninguém pegara o leite e o pão do dia anterior, bateu por diversas vezes na porta do casal.
Não obtendo resposta, resolveu olhar pelas grades da janela, que se encontrava semiaberta. O quadro à sua frente o deixou estarrecido, o casal caído no chão, sobre uma poça de sangue e uma faca, tipo peixeira, ao lado do marido. Ambos com as gargantas cortadas. Chamou a polícia e deu alarme para a vizinhança, que procurava se aglomerar em frente à janela da casa do episódio macabro.
A dedução foi: ele matara a esposa e se matara em seguida!