Esperando Por Ela

Era só mais um dia onde a vida parecia não fazer sentido. Eu matei aula e fui sentar no canto dos namorados ( um lugar na escola onde os alunos costumavam namorar). Mas a única pessoa que havia lá era eu.

Quando estou sozinho eu costumo pensar sobre absolutamente tudo, minha mente sempre me surpreende com a amplitude de conclusões que consegue fazer a respeito da maioria dos assuntos.

Um dia desses me peguei pensando o seguinte. Estou seguindo um roteiro pronto de vida que implantaram em minha mente desde jovem. Do colegial pra faculdade, do emprego até uma família bonita. Eu nunca nem sequer quis isso pra mim, queria vender picolé na praia ou ler a saga Harry Potter para os órfãos (Sempre acreditei nesse poder da identificação). O que importa se sou o importante executivo do mês, ou se sou feliz atravessando as pessoas em um barco no Rio Amazonas? Fica esse pensamento para reflexão.

Mas nesse dia em especial, que tudo não parecia fazer sentido, mas principalmente minha vida. Me peguei pensando naquela garota novata de dois dias atrás. A tal da Alessandra, era realmente complexo, mas o motivo mesmo de eu estar sentado no canto dos namorados sozinho, era por causa dela.

Talvez fossem seus óculos atrapalhados que faziam suas orelhas parecem maiores, ou então, o fato dela sempre ter alguns fiapos de pelo de gato espalhados pela seu casaco. O que sinceramente me incomodava demasiadamente, e me fazia retirar fio por fio quando ela falava comigo. Mas a questão era que eu não conseguia a tirar de minha mente desde que bati meu olho naquela figura desengonçada procurando um lugar apropriado a se sentar. E pior ainda que tinta que ser justamente na cadeira a frente da minha. Um dia encontrei uns cinco ou seis fiapos no cabelo dela e não consegui me concentrar na aula incomodado.

Conversei com minha mãe naquela tarde. Naturalmente por falta de outras opções, e também, por falta de qualquer presença paterna ou masculina efetiva em minha vida, isto é, exceto por mim mesmo. Mas ela era uma ótima conselheira de qualquer modo, me disse que eu me apaixonara por Alessandra.

Sinceramente não acredito nessa hipótese, sempre fui consciente dos meus sentimentos e sei me controlar para não me apaixonar por qualquer pessoa.

Embora isso explicasse o fato dela não sair de minha mente...

De qualquer forma, um breve olhar nela e já dava pra saber algo: Os nossos destinos iam se cruzar.

Era mera questão de tempo para que isso acontecesse, comecei a brincar com essa suposta sina e evitei Alessandra para ver o que acontecia. Mas o universo parecia ter uma emergência enorme para que nos encontrássemos. Acabamos ficando de dupla em um trabalho de Geografia, e não demorou muito para que Alessandra viesse ter comigo.

- William, por gentileza, você se incomoda se trocarmos telefones para fazermos esse trabalho? - Embora ela tenha dito por favor, para mim soou mais como uma intimação da Interpol. Eu respondi um "Aham" bem seco, enquanto olhava em sua blusa e cabelo procurando por fiapos de pelo pra tirar. Ela continuou a interrogar.

- Sabe, essa escola é bem confusa. Não deveríamos poder escolher com quem fazer dupla? Eu demorei uma semana inteira para convencer a Gwen para ser minha parceira de estudos... - Eu quase não ouvia o que ela dizia, estava mais interessado nos fiapos. Tirei uns três do cabelo dela enquanto Alessandra ainda falava. Me pergunto de onde vem tanto pelos? Será que ela tem uma ninhada de gatos dormindo em sua cama?

- ... E sinto que nós dois poderíamos até ser amigos também. - Concluiu ela, e essa foi a única parte que eu realmente prestei atenção. Eu respondi, ainda tirando um último fiapo de pelo de gato em seu cabelo. Dessa vez era de um siamês branco.

- Não se preocupe novata, eu vou fazer com você. Me mande uma mensagem hoje a tarde, e te explico a matéria que você tem que estudar, e depois te empresto meu caderno se quiser.

Ela acenou feliz, e anotou meu número. Antes de despedirmos, eu perguntei rapidamente.

- Quantos gatos você tem?

- Gato? Eu não tenho gato algum. - Disse ela enquanto se afastava, e após isso entrei em uma crise de ansiedade querendo entender de onde vinha tantos pelos.

Voltando ao cantinho dos namorados, tinha um muro que dava para o lado de fora da escola, e que não era muito difícil de se escalar. Eu estava pensando seriamente em ir para casa mais cedo, porém não estava muito animado nem pra levantar. Quando eu tomei alguma coragem, chegou uma garota dizendo:

- Baah, essa escola é muito esquisita mesmo. Tem mais alunos fora das salas do que dentro... E aí William, porque está matando aula?

Aquela voz irritantemente penetrante era muito fácil de se reconhecer, olhei pro lado e constatei que era Alessandra. "O que diabos ela está fazendo aqui?".

- Novata? Você se perdeu de novo no caminho pro Bebedouro?

- Na verdade eu estava te caçando. Você saiu do nada e sem avisar. Pensei que estava triste...

- Você acertou, estou um pouco triste mesmo. Acho até que vou para casa, só preciso tomar coragem para pular o muro. Você pode segurar minha mochila? - Eu perguntei esperando algum tipo de consolo, ou pelo menos que ela dissesse alguma coisa para me animar. Porém ela fechou o rosto, escondeu aqueles óculos engraçados no bolso e então disse:

- Você pode me ajudar a pular o muro também? - Eu quase que cai pra trás com o choque da frase. E ela parecia bem séria. Olhei para o muro e de repente notei que talvez Alessandra não conseguisse escalar dois metros e meio. Mas como a ideia parecia algo interessante de se assistir, logo respondi que sim.

Primeiro eu dei apoio para ela chegar até em cima, e depois lhe entreguei minha mochila e aí subi. A escalada foi fácil, mas o problema era a próxima parte. Ela ia ter que pular dois metros até o chão.

- Escuta novata, primeiro eu vou pular, e depois eu te seguro quando for sua vez, você confia?

- Sim... Vamos fazer rápido...

Foi um choque um pouco violento mesmo para mim que tinha experiência. Por sorte, flexionei meus joelhos e distribui o impacto entre meu corpo. Olhei pra cima, e lhe pedi que jogasse a mochila. Ela se posicionou para pular porém estava ainda hesitante.

Eu fiquei de frente para o muro e assegurei que lhe seguraria. Abri meus braços e ela ficou mais confiante.

Alessandra pulou de olhos fechados e braços abertos. Foi uma incrível demonstração de coragem. Infelizmente lhe peguei de mal jeito e caímos os dois no chão, mas ela ficou bem porque caiu em cima de mim.

A posição na qual caímos era quase pornográfica, ela se levantou e se recompôs, mas eu ainda sentia toda a dor da queda.

- Você está bem William? - Desfarçou Alessandra o fato de que estava em meu colo a pouco segundos atrás. Eu respondi que sim, e perguntei se ela tinha se machucado.

- Não, você serviu de amortecedor. - Respondeu ela provavelmente se referindo ao golpe que deu em meu estômago.

Caminhamos com certa pressa pra sairmos dali, ainda havia a possibilidade de sermos pegos no flagra. Depois de caminhar um pouco em silêncio, quando íamos virando uma esquina, a questionei:

- Novata, por que você quis matar aula?

- Acho que pela minha vó...

- Problemas em casa?

- Ela tem Alzheimer e eu cuido dela. As vezes é meio complicado deixá-la só...

Eu engoli seco minhas próximas palavras, não fazia menor ideia que Alessandra vivia esse tipo de situação. Sem saber como ser delicado, perguntei da forma mais branda que pude:

- Você cuida dela sozinha? Onde está sua mãe? Ou seus parentes?

Acho que não deveria ter perguntado aquilo. Ela apertou o lábio e parecia um pouco chateada.

- Já tem dois anos... No início era bem difícil, mas até que consegui levar. Eu liguei para meus tios, todos estavam ocupados demais com suas próprias vidas. Eu juro que tentei de tudo... Um dia ela se virou para mim e me perguntou o porquê eu estava chorando. Eu disse que tudo estava difícil, e que não sabia o que fazer... Ela me abraçou e disse que tudo ficaria bem, mesmo com toda a pouca lucidez que tinha, ainda assim conseguiu me ajudar. Desde então decidi ficar e cuidar dela.

- Mas e quanto a sua mãe? - Insisti eu. Ela me olhou com um olhar triste, e acenou com a cabeça negativamente. Naquela mesma hora eu entendi a mensagem e não ousei lhe perguntar mais sobre aquilo.

- Alessandra... Mesmo que não sejamos tão próximos, você me permitiria conhecer sua avó?

De repente o clima mudou e ela parecia de alguma forma feliz, como se nada daquilo fosse sequer verdade. Ela disse que sim, e me indicou uma rua para poder chegar até sua casa. Enquanto caminhava na minha frente aproveitei para limpa-la de alguns fiapos em seu cabelo.

- Você gosta mesmo de mexer no meu cabelo, o que te chamou a atenção nele? - Disse ela em um tom alegre. Bem que ela me lembrou a perguntar sobre a origem daqueles pelos de gato.

- Quando chegar em minha casa eu te mostro o motivo...

De repente eu parei estático porque me lembrara de algo, e o porquê diabos não ter me lembrado disso antes. Mas olhando para ela notei que estava sem a mochila, provavelmente esquecera na escola. Bem sabia eu que alguém provavelmente guardaria para ela, então preferi manter silêncio a respeito disso para que ela não se preocupasse atoa...