Crônica do fim: A mulher que nasceu para virar literatura. Parte 10. Fim ético para um enredo amoral

Amanda, aqui encerro o desfile de floreios linguísticos, nascidos do delírio idealizado, não disse palavra. Ali, pois, enxerguei a ideia de ser, ela, a literatura que elucubrei, e me perdi nas conjecturas que se iam formando pelas vicinais, coadjuvantes que eram, do desejo daquilo que era natural, mas peremptoriamente desnecessário. Ali. Nela, e com ela . Seu tácito silêncio redigiu a estória, corrigindo a gramática diletante que eu havia usado para dar âncora à uma narrativa fantasiosa, fruto, agora sei, de aparências que me forneciam amparo existencial.

Saímos do casebre, cenário edificado para transmutar avidez mimada em maturidade da alma que deixa de existir assim que se entende toda encharcada de defeitos, sem nos falarmos. Empregamos uma quietude estóica até entrarmos no carro e o barulho do motor nos lembrar que é no silêncio que a coisas que importam se resolvem.

•••

- Cara, que história! Minha exclamação é uma reposta menos à originalidade, que é bem pouca, sublinhe-se, do que ao fato, objeto da realidade, de vocês dois não perceberem o fracasso vaticinado deste enredo aí.

- Sim, acho que você tem, e está com, razão. Mas, em nossa defesa… Não, em minha defesa, afinal não posso falar por ela, estava mergulhado numa obsessão, daquelas psicóticas, que encerram no sujeito todas as justificativas éticas e morais que consagram condutas idiotas, na sua etimologia mesmo, voltado pra si, incapaz de ver a responsabilidade com o outro. Mano, eu era o imbecil, o incóbulo, que não consegue mais exercer seu poder. De escolha, de raciocínio sobre!

- Muito bonito todo esse discurso, até filosófico, mas as intenções já encheram o inferno, todos sabem. E, as suas, por tudo que me contou, consideremos todas as pessoas envolvidas que seriam fodidas, no pior sentido, fizeram Lúcifer abrir uma sucursal do Tormento só pra você, meu amigo!

- É. Outra vez faz um bom uso da razão em seu argumento. Acho…

- Tá. Águas passadas. Águas passadas. Só mais uma coisa: o que aconteceu com a Amanda? A tem visto?

- Há muito que não. Soube estar feliz. Casada ainda. Aliás, desde que a conheci sempre achei que ela era felicidade. Isso foi o que me levou à loucura, inicialmente. O gatilho de tudo o mais que se deu, sem muito, como te disse, se dar.

- Que bom! Que bom que, no frigir dos ovos, é assim esta expressão?, ninguém se machucou.

- Como? Sério? Não prestou atenção em nada? E, eu? Não conto?

- Pra ser sincero , meu amigo, não. Você foi o artífice. Isso faz seu machucado sine qua non!

- Que bosta que tu tá todo razão hoje.

- (Risos). Que tal pedirmos a saideira?

- Nem pensar. Bora beber mais. Muito mais.

MementoMori
Enviado por MementoMori em 07/08/2021
Reeditado em 07/08/2021
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