A Força do Acaso

Eu conheci aquele homem em uma viagem ao litoral. Ele sempre passava temporadas lá em sua casa com familiares e amigos. Eu ia lá algumas vezes. Numa destas férias que passei lá, nos encontramos. Ele era um homem lindo, charmoso, elegante, fino, educado, gentil, culto. Tudo que uma mulher inteligente e independente pode querer encontrar em um homem. Mas seus olhos eram tristes, apagados, sem brilho. Ele tinha um semblante triste, sorria pouco e quando sorria seu sorriso era apagado.

Passamos juntos todo o tempo que ficamos por lá. Cada dia mais eu me encantava com ele. Havia uma química espetacular entre nós. Eu me apaixonei por ele.

Eu morava na capital e trabalhava em uma grande empresa onde estava fazendo uma carreira sólida e promissora. Ele morava no interior onde era médico e cuidava da produtiva e rentável fazenda que herdou do pai.

Quando voltamos pra nossa rotina foi como acordar de um sonho bom. Mantivemos contato e nos encontramos muitas vezes.

Num destes encontros ele me pediu em casamento. Eu fiquei muda com a surpresa. Não sabia o que dizer e disse que precisava de um tempo para pensar. Vi a decepção estampada no rosto dele. Mas pra eu me casar com ele teria que me mudar para a cidade onde ele morava e eu não estava disposta a abandonar a minha carreira profissional que estava em seu auge e me mudar para uma cidade do interior. Estava apaixonada mas sempre fui uma mulher centrada e racional.

No nosso próximo encontro disse a ele que preferia continuar como estávamos. Namorando e nos encontrando, cada um morando em sua cidade. Ele ficou decepcionado e disse que não aceitava isto. Nosso caso terminou ali. Algumas vezes nos encontramos nas férias e tínhamos uma recaída.

Ficamos algum tempo sem nos encontrar. Quando o reencontrei ele estava casado com outra. Só então eu percebi o quanto ele era importante pra mim. Fiquei deprimida por algum tempo, sentia-me arrependida de ter recusado me casar com ele.

Anos mais tarde o encontrei durante as férias naquela praia de sempre. Ele me disse que estava viúvo. A esposa falecera alguns dias após o parto do segundo filho deles. Ele ficou sozinho com dois filhos pequenos.

Aquela mesma química louca rolou entre nós. Vivemos noites e dias maravilhosos.

Na véspera de irmos embora resolvi abrir meu coração para ele.

Estávamos abraçados e eu disse:

-Se hoje você me pedisse novamente em casamento, eu aceitaria.

Ele afastou-se de mim um pouco sem graça. Eu disse:

-Hoje você não quer mais, não é?

-Não é que eu não queira. Hoje eu não posso mais.

-Não pode? Como assim?

-Eu vou lhe contar uma história. Talvez você até me despreze depois. Mas vai entender porque eu não posso mais lhe pedir em casamento.

Ele hesitou e se calou. Sentamos no sofá e eu disse:

-Fale. Estou pronta pra ouvir.

-Quando eu tinha vinte e sete anos e voltei pra minha cidade pra trabalhar como médico, eu conheci e me apaixonei por uma garota de treze anos. Eu a conheci por acaso. Nossas famílias são amigas. Claro que não me aproximei dela por ela ser tão jovem. Mas eu sonhava e esperava até que pudesse me aproximar dela. Eu sempre a via e cada vez me sentia mais encantado e apaixonado. Sei que é difícil entender como um homem pode se apaixonar por uma garota tão jovem. Acho que não tem explicação. Acho que é uma coisa do destino ou do acaso.

Mas aos quinze anos ela se casou com um outro. Ela estava grávida e se casou com um garotão de dezoito anos.

Eu fiquei arrasado, não conseguia tirá-la da cabeça e do coração.

Como nossas famílias sempre foram muito íntimas eu sempre a via. Ela passou por muitas dificuldades em seu casamento. Eram muito jovens, ele não tinha uma profissão e o pai dela não aceitava esta união e a abandonou à sua própria sorte. Não por maldade, mas para forçar uma separação deles. Mas eles se amavam e passaram por todas as dificuldades juntos.

Eu a amava tanto, um amor tão verdadeiro que sempre tentava, ocultamente, ajudá-los no que precisassem. Até um trabalho para o marido dela eu consegui, já que o pai dele também os abandonou. Meus amigos diziam que eu agia contra mim mesmo. Mas o que importava era não deixar que a vida dela fosse tão sacrificada. Acho que isto é o verdadeiro amor, aquele em que se quer muito mais o bem estar da pessoa amada que o nosso próprio bem estar.

Ela não sabia do amor que eu sentia por ela mas souberam de minha ajuda e ficaram gratos e tinham amizade por mim. Isto era até certo ponto constrangedor. Eu era médico dos filhos dela, sempre nos encontrávamos em eventos sociais ou no dia a dia.

O tempo foi passando e eu não conseguia me libertar daquele amor. Não conseguia me interessar por outra mulher. Meus amigos que sabiam da situação diziam que este sentimento era uma obsessão. O fato é que eu não conseguia esquecê-la.

Quando eu lhe conheci, pela primeira vez desde que eu me apaixonei, eu estive com uma mulher sem pensar nela. Vivemos momentos maravilhosos e eu estive com você, sem ela entre nós.

Eu tive a sensação que você me faria esquecer este amor impossível.

Eu lhe pedi em casamento e você não aceitou.

Depois eu encontrei uma outra mulher, casei, tive meus filhos, os meus herdeiros que eu tanto queria. Mas minha esposa faleceu prematuramente e me deixou com dois filhos, como você sabe.

Ele calou-se por um instante e eu disse:

-Mas eu aceito os seus filhos. Eu errei quando recusei seu pedido de casamento. Eu não sabia que tinha lhe decepcionado tanto. Não sabia que minha recusa tinha lhe feito tanto mal.

-Só eu fiz mal a mim mesmo. Mais ninguém.

-E por que você não pode mais se casar comigo?

-Esta mulher, que eu ainda amo, ficou viúva também. Seis meses depois de minha esposa falecer, o marido dela faleceu num estúpido acidente de trânsito. E lá no fundo do meu coração eu tenho uma ponta de esperança de tê-la ao meu lado um dia.

-Ela sabe do seu amor?

-Ela só soube depois que eu me casei. Eu contei a ela.

-E você acha que ela vai lhe aceitar?

-Isto só com o tempo eu vou saber. Nem espero que ela me ame como eu a amo. Apenas espero que pelo menos ela me aceite.

-Mas você merece ser amado.

-E de que adianta eu ser amado por uma mulher que eu não possa amar?

-Mas ela pode não lhe aceitar, não querer nada com você.

-Eu tenho que tentar. Se ela me recusar eu vou continuar viver minha vida de solitário.

-Eu lhe desejo boa sorte. Mesmo tendo sufocar o amor que sinto por você, eu lhe desejo boa sorte.

-Eu peço que me perdoe. Eu devia ter lhe contado isto desde o princípio.

-Não tenho nada a perdoar. Vivemos dias maravilhosos. Eu me senti feliz e desejada por você. Se algum dia você se decepcionar, se ela não lhe quiser, eu continuo aceitando o seu pedido de casamento.

-Eu só lhe pediria em casamento se pudesse lhe amar. Você não merece ser um remédio, uma bengala para um coração ferido.

-Mas eu lhe aceitaria mesmo assim.

-Você merece ser muito amada, minha querida. Foi muito bom tudo que vivemos. Eu desejo que você seja muito feliz.

-Adeus. Eu também desejo que você seja muito feliz.

A gente se abraçou e nos despedimos.

Fiquei algum tempo sem ir naquele lugar.

Tempos depois eu estava em férias lá e reencontrei aquele homem. Ele estava casado com a única mulher que amou de verdade. Percebi o brilho em seu olhar, seu semblante não tinha mais a tristeza de antes, seu sorriso agora era de pura alegria. Então eu percebi a dimensão do amor que ele sentia por aquela mulher.

Sozinha, eu chorei. Ele foi o único homem que eu amei em minha vida. De certa forma eu me arrependi de não ter me casado com ele. Mas sei que foi o melhor. Eu não merecia me casar com um homem que nutria um amor obsessivo e cego por outra mulher. Não merecia viver sendo enganada por ele.

Eu foquei em minha carreira, passei minha vida trabalhando e me esqueci de minha vida pessoal, esqueci de ser feliz.

Aquele homem era tudo que eu queria em minha vida. Mas no fundo ele agiu mal comigo. E agiu mal com sua primeira esposa que nunca amou. Ele simplesmente a tratou como uma matriz reprodutora para lhe dar herdeiros, agiu com ela como um egoísta.

Não voltei mais naquele lugar onde ele sempre passava as férias. Não suportaria ver o brilho em seus olhos sabendo que aqueles lindos olhos não brilham por mim. Não suportaria ver seu semblante leve e sorriso feliz sabendo não sou eu a causa desta felicidade.

Sigo a minha vida solitária sempre pensando que se tivéssemos nos casado talvez ele teria esquecido aquele amor e poderíamos ter sido muito felizes. Mas por certo estava escrito que o curso das coisas seria este, que a força do destino e do acaso encaminhou nossas vidas como tinha que ser. Ele feliz e eu solitária…

Nádia Gonçalves
Enviado por Nádia Gonçalves em 03/07/2021
Reeditado em 03/07/2021
Código do texto: T7292217
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