AFINAL, QUEM SABE.
Parecia um dia normal, ela acordou, bocejou, abriu uma fresta na janela para olhar o tempo, sendo mulher é extremamente necessário, pois é preciso vestir-se adequadamente com o tempo.
Movimentos automáticos normais do dia a dia, levanta, escova os dentes, põe a roupa, pega a bolsa, o casaco, o telefone celular, enfim... Sai e volta automaticamente para pegar as chaves do carro. Ufa... agora sim, pronta para mais um dia.
Desce até a garagem ali no final da rua, onde está seu carro, afinal, mora num apartamento e não tem garagem, fica aborrecida lembrando mais uma vez dos planos demudança para resolver essa questão.
Mas hoje, sem alternativa, faz o caminho de sempre, já são 09 anos nessa mesma rotina.
Quase chegando, são 7 minutos exatos de caminhada, ouve uma buzina, um barulho ensurdecedor, ruídos de pessoas conversando, discutindo, umas falando alto, outras sussurrando. Pára no cruzamento, fica sem ação, sem reação.
- Atravesso a rua? Volto pra casa? Sigo em diante?
Manoela não sabe o que fazer, estava absorta em seus pensamentos, um choque de realidade toma conta dela, olha no relógio. - Caramba, são 9 horas, preciso trabalhar.
Olha em direção ao estacionamento, sem chance de chegar lá, um alvoroço total, SIATE, BOMBEIROS, e tudo mais. Respira fundo, suspira, olha no relógio, faz uma conta rápida, 40 minutos a pé, não vai dar, pensa, volta uns 2 metros e resolve esperar o ônibus. - Há quanto tempo não pego um ônibus. Será que pára ainda no mesmo lugar? -
Ai Meu Deus, espero não passar vergonha. Faz tanto tempo já. Espero que não demore.
Manoela não é uma dessas pessoas afeitas a aventuras e surpresas, a sua vida é muito bem organizada, distribuída de forma sistemática e até simétrica, e um dia como o de hoje, a faz ficar um tanto apreensiva e isso traz uma sensação de inércia, de apatia, de letargia. Fica tentando lembrar o itinerário do ônibus, afinal, tem que se preparar.
O ônibus se aproxima, sobe, dá uma olhada com rabo do olho até encontrar um lugar, calcula ali mais ou menos uns 18 minutos de viagem.
Manoela estava sozinha há um tempo considerável e sua vida era a mesma de 9 anos atrás.
De repente, passou a olhar com mais curiosidades sobre o que se passava, se deteve no rosto dos passageiros, de alguns, claro, inspecionou o ônibus todo, o teto, o chão, as poltronas, o banheiro, humm... tinha banheiro e até wifi.. Nossa.. pensou
Manoela, como as coisas mudaram, na verdade evoluíram.
Tentou um diálogo com o cobrador sobre em que ponto parar e se realmente ia para o lugar que ela teria que chegar.
A principio balbuciava, mas em seguida, um espírito de liberdade, foi tomando conta dela , sentia-se renovada, curiosa, como há muito tempo não se sentia. Até percebeu em alguns semblantes traços familiares.
- Será que moram por perto? Nossa, parece que já vi essa gente.
E cresceu nela uma ânsia de conhecer a todos, de saber quem eram, onde estavam, para onde iam.
- Há quanto tempo não converso com ninguém, a Anita não conta. - Ah, a Anita é a minha gata, uma daquelas vira latas, mas que tem jeito de madame, e parece que entendem a gente, sabe como?
- Enrubesceu quando alguém lhe respondeu..
- Também tenho um, os vira latinhas são os mais carinhosos.
Manoela, olhou para o lado, notou na poltrona ao seu lado um rapaz, sorriso fácil, franco, talvez com seus 30 anos, olhos verdes (adoro olhos verdes), e pensou consigo:
- Será que tenho falado com ele o tempo todo? Ai caramba, ele é bonito, talvez seja a hora de conhecer alguém.. Acho que vou me permitir. Olha para ele, dá o seu melhor sorriso. Sente um vento no rosto, seus cabelos esvoaçantes, sente um ar quente, agradável até, e alguém que a toca no braço. Abre um sorriso, imaginando ser o dono dos olhos verdes.
Sente um toque mais firme, mais forte no braço, abre os olhos e na sua frente, alguém dizendo:
- Moça, moça, está passando bem? O ônibus chegou.
Levanta de um salto, assustada, quando olha ao redor, vê que esteve sentada na parada do ônibus, por longos 6 minutos e tudo não passou de um sonho. Sobe no ônibus, procurando imperceptivelmente o moço de olhos claros.
Afinal, quem sabe né!!!