Conto de Amor na Pandemia

MUITO tempo depois, vivendo seu ocaso, Florentino Ramirez recordava aquela tarde em que se despediu pela primeira vez de Firmina Nino. Era começo do mês de abril de 2020 quando começou o isolamentodevido à pandemia do Coronavírus.

Lembrava do aperreio e perplexidade das pessoas, do quase desespero. Segundo as autoridades médicas, não se tratava de uma simples "gripezinha" como afirmara um presidente fascista e psicopata. Florentino ficara chocado, sem entender como o homem avançara tanto na ciência e era incapaz de debelar com rapidez a ação desse vírus maldito. "Que ciência da porra é essa?", perguntava aos seus botões.

Quando a amada lhe comunicou que não se veriam mais até o fim da pandemia, que era preciso só se comunicarem por telefone ou pela internet (uma despedida rápida tipo adeus, sem abraços e nem beijos, supervisionada pela mãe dela ), ele quase desesperou. Mesmo sendo u cara de fé, chegou a duvidar dela.Sabia que o culpado pelo vírus era a ambição do homem e o capitalismo selvagem.

Cenas foram desfilando à sua frente: as pessoas usando máscaras, as ruas vazias, a tristeza instalada, a solidão,a desilusão, depressão e até casos de loucura, além do desemprego. Um verdadeiro festival dos horrores.

Alguns meses depois, mesmo se comunicando pelo telefone e pelo Zap, aquilo não satisfazia, precisava da presença dela, do toque, do carinho... Não se conformava com o amor virtual. Mas quando se ama é preciso paciência.Era isso que ela sinalizava.Mas são as circunstâncias e, às vezes, as traças do destino quem governam a vida.Foi oque aconteceu com ela (Firmina) não se sabe como, foi vítima do contágio e teve que ser internada às pressas, inclusive transferida para um hospital da capital.

Ele tentou em vão vê-la antes do seu embarque na ambulância, mas foi impedido pelos médicos e pelos pais da moça. Firmina era de uma família abastada,iria ara um hospital particular. Ele ficaria sem notícias dela, Os pis da moça não gostavam dele porque era pobre. Só soube que ela testara positivo (e estava com oneumonia) por intermédio de uma empregada da casa dela. Florentino que nao era religioso omeçou (à sua maneira) a rezar, isolado na casa dos seus pais. Ficava solitário num sotão pensando no começo do namoro, olhares, risos, primeiros afagos e beijos...E chorava, chorava,chorava... Pedia a Deus ara salvar Firmina.

Um mês depois por intermédio de um amigo (via telefone) soube que a mada tinha se recuperado e receber alta do hospital, estava passando um tempo na casa de um compadre do pai dela, um ricaço da capital,cujo filho, médico, tratara de Firmina e estava complementando o tratamento em casa. Deu outro detalhe: esse medico estava querendo instalar uma clínca em Veredas. Era cirurgião e clínico geral. Um cara ainda moço, na casa dos quarenta anos e solteiro, Florentino não gostou desse detalhe, sentiu um pressentimento ruim. Tinha medo da gratidão, dos laços de familia,as duas famílias eram abastadas, e os pais da moçanão aprovam seu namoro coma fiha. Ficou com medo...

Elavoltou emjaneirode 2021. A pandemia ainda em alta,mas havia ainda esperança que fosse debelada.As pessoas ainda se precaviam. Ela voltou com os pais no automóvel *último modelo da Ford) do doutor Juvenal Fernandes (que veio também para viabilizar a instalação da clínica). Florentino não conseguiu se comunicar com Firmina, nem por telefone.Eoque temia aconteceu: ele tomou conhecimento oficialmente num encontro com a amada, os dois mantendo os devidos cuidados, numa igrej. Esse encontro foi ainda mais triste que a despedida logo no início da pandemia. Não se abraçaram, respeitaram o protocolo medico. Chorando muito, molhando a máscara, ela avisou que o amor deles havia se desfeito. Que ela não tinha forçado para contrariar o pai quera cardíaco de risco e queria vê-la casada com o médico. Disse que durante o tratamento ele fora dedicadíssimo e se apaixonara perdidamente por ela. Mais controlada afirmou que mesmo separada dele nunca deixaria de amá-lo, e saiu quase correndo da igreja.

Pensava no que sofrera.Da sua solidão,sem amar outra mulher, apenas tendo relacionamentos furtivos. Viu os anos passarem. Até constituiu patrimônio.Algumas vezes de longe via Firmina como marido. Viu-a passando na rua com os filhos. Viu, enfim, a amada travessar décadas e até o coeço do seu envelhecimento, mas nunca se aproximara, nem nunca deixou de amá-la.

Até que 40 anos depois, quando outra peste, um novo coronavírus apareceu, quando começou outra batalha para vencer essa nova pandemia, ele soube que o doutor Juvenal falecera, de repente enquanto dormia (era cardíaco mas ninguém sabia). Não foi ao enterro, pouca gente fi devido à pandemia.Mas a maioria do povo lamentou a morte do médico que era tido como um benfeitor da cidade. Soube que os filhosdo médico, depois do enterro, passaram alguns dias com a mãe mas não conseguiram convencê-la a se mudar para a capital. Ela ficou isolada em casa acompanhada de sua velha empregada.Disse aos flhos ue nãose preocupassem. Falariam por telefone.

Florentino passou a noite pensando na situação de Firmina. Pnesou até em viitá-la, mas descarou a ideia. Seria uma provocação, iria dar tempo ao tempo, mas sem deixar de pensar um minuto nela. Os meses foram passando.a nova pandemia foi debelada graças a uma vacina cubana.

Depois de sete meses, tudo serenado, Florentino resolveu, finalmente, fazer uma visita a Firmina. E nao iria fazer as coisas às escondidas. Vestiu o velho terno de guerra,e foi caminhando até o portão do chalé dela.Bateu na porta, a velha empregada abriu, e risonha disse: "Sinhazinha Firmina está lhe esperando na sala de visitas, a gente viu pela janela você quando saiu de casa e veio andando pela calçada. Há tempo que ela espera essa visita".

Não precisaram dizer quase nada. Os olhos falavam por eles.Após um demorado abraço e carinhos, ela disse rindo: "Pensei que você não viria jamais, que não iria querer raspar o cororó da vida com uma velha".

Ele não voltou para casa. Mandou a empregada buscar roupas e trecos. Nunca maisse seararam. O grande amor havia vencido a incompreensão, discriminação, pandemias eas traçasdo destno.O grande amor é eterno.Inté.

Dartagnan Ferraz
Enviado por Dartagnan Ferraz em 23/06/2021
Código do texto: T7285123
Classificação de conteúdo: seguro