A morte do Deus Desconhecido

A morte do Deus Desconhecido

por E. ALYSON RIBEIRO

Eu estava lá. Não sei se o tempo apagará as palavras que tecerei aqui, mas acredito que devo registrar a injustiça mais justa que a história já presenciou. Não sei se no futuro haverá algo assim, não sei se a humanidade será tão boçal com outro ser humano, acredito que o ápice da brutalidade do homem não ultrapassará o que eu vi.

Havia um carpinteiro nascido na região da Judeia, sua mãe se chamava Maria e seu pai José. Pouco se sabe sobre a sua infância, alguns de seus seguidores me contaram que ele desde jovem já discutia sobre as leis de Moisés no templo, contudo, não posso afirmar com plena certeza, pois isso não vi. O que posso difundir é a solidez dos fatos.

Certa vez, direcionei-me até ele solicitando um milagre. Para isso, pedi para que os meus funcionários anciãos judeus fossem falar com Jesus para que ele curasse o meu servo. Fiquei sabendo que esse judeu curava os enfermos, ensinava multidões e, inclusive, afirmava ser o filho de Deus. Meu empregado estava muito doente, então, que mal havia se esse judeu o curasse? Não me julguem por ser romano e me submeter a um judeu, eu amava aquele meu servo como se fosse o meu filho. Confesso, ainda, que eu também não me achava à altura daquele carpinteiro, por isso, não desejei falar pessoalmente com ele e, como eu tinha pessoas que pudessem me representar diante dele, assim procedi. Pedi para falarem a Jesus sobre a situação do meu empregado.

Eu, de fato, acreditava nos milagres dele, mas muito mais do que isso, eu acreditava que Jesus era o Deus Desconhecido. Meu servo passou por vários médicos, ninguém tinha a cura para a moléstia. Ele vomitava e excretava sangue, em sua pele notava-se máculas avermelhadas, na verdade, também se via sangue em seus olhos e lábios. Sua carne se esvaziava a cada dia, já não se assemelhava a um homem, mas a um cadáver. Alguns médicos me disseram que se tratava de uma tal de “doença branca”, uma maligna moléstia. Foi, então, que pensei “Se esse judeu curou paralíticos, aleijados e várias outras pessoas, então, o que seria para ele apenas ordenar que meu funcionário ficasse bom? ” Ele é poderoso! É o Deus desconhecido. Foi por isso que chamei os meus servos judeus e os ordenei para que fossem falar com Jesus e o dissessem para apenas ordenar a cura do meu empregado, nem precisaria dele ir à minha casa. Meu raciocínio foi bem simples, se eu mando e desmando em meus empregados, logo, sendo ele o Deus desconhecido, o que o impediria de apenas ordenar para que uma doença fosse embora?

Disseram-me que ele se alegrou com a minha atitude e afirmou que nunca viu tanta fé, nem mesmo em Israel. Meu empregado sarou e eu me tornei um admirador, um difusor de Jesus de Nazaré. De fato, ele era o Deus desconhecido.

Após esse episódio, comecei a acompanhá-lo, claro que clandestinamente, pois seria muito ruim para mim se César ou alguns de meus superiores soubessem disso.

Fiquei admirado com suas palavras, seus atos, seu modo de falar e agir, enfim, ele me cativava. Apesar disso, muitos o odiavam, o alto escalão do seu próprio povo o odiava. O que mais me deixava confuso eram dos próprios judeus recusá-lo, muitos desejavam a sua morte, outros o acusavam de heresia. Desse modo, comecei a ficar preocupado, mas acreditava que Jesus com todo o poder que tinha daria um basta na situação. Eu pensava que se alguém levantasse um dedo para ele, obviamente, seria punido, afinal, ele era Deus. Esse modo de analisar os fatos me tranquilizava.

Certa vez eu estava em Jerusalém, quando um dos meus servos entrou correndo no átrio onde eu estava e me disse, apavoradamente, que prenderam Jesus. Eu fiquei sem saber o que fazer, vesti minha roupa de oficial romano e sai pela rua para ver como ficariam as coisas. Notei, pela movimentação, que o judeu estava na casa do Grande Sacerdote dos judeus. Escutei uma gritaria, meu coração palpitava exacerbadamente, ouviam gritos, deduzi que batiam nele. Fiquei com vontade de entrar lá e colocar um fim nisso, mas não podia, pois poderia até morrer se fizesse algo assim. Então, fiquei ouvindo tudo ali de fora, sofrendo e agonizando. "Por que Jesus não matavam todos ali?" Eu pensava. Ele era o Deus Desconhecido na pele de homem, ele era poderoso! Não conseguia me conformar com o fato de Jesus não revidar enquanto apanhava.

Como eu não podia fazer nada, fui embora. Não conseguia dormir. No dia seguinte, após concluir meus afazeres, para a minha surpresa, fiquei sabendo que o Deus Desconhecido seria julgado por Pilatos, o governador da Judeia e Samaria. Corri até o pretório e vi quando Pilatos propôs uma escolha ao povo: ou a liberdade de Barrabás ou a de Jesus. Percebi que Jesus estava irreconhecível, seu rosto sangrava muito, sua fisionomia era de um homem quase morto. Confesso, senti vontade de chorar. Mas não podia, era um oficial de César, era um romano!

Durante a Páscoa dos judeus era de costume soltar um preso que esse povo pedisse, então, achei extraordinário e muito sábio por parte de Pilatos colocar Jesus como escolha para estar em liberdade. Em minha opinião, era óbvio que o povo escolheria Jesus, o Deus dos judeus em pele homem. O contrário seria eles condenar o próprio Deus. Contudo, olhei para o lado e observei o povo clamar pela soltura de Barrabás. Fiquei irado, pois Barrabás era um assassino de seu próprio povo. Por dentro de minha mente eu gritava para que Jesus reagisse, mandasse fogo do céu ou sei lá o quê. Mas ele estava quieto, sofrendo e sendo rejeitado pela humanidade. E o povo escolheu o assassino. E Pôncio Pilatos ordenou o açoite e em seguida a crucificação.

Eu fiquei sem reação. Meus olhos lacrimejaram, meu coração chorava, minha mente entristeceu-se. Tentei sair dali, mas um superior me ordenou para acompanhar o destino de Jesus. Quase desmaiei, contudo, pensava nos meus filhos enquanto refletia “se desrespeitasse tais ordens meus filhos poderiam perder o seu pai”. Então, eu fui.

“Como é possível os judeus permitir que o seu Deus fosse crucificado? ”, refletia enquanto me deslocava. Eu ficava confuso com tudo isso, uma vez que os mestres da Lei Judaica - portanto, conhecedores da Lei de Deus dada a Moisés - condenaram o Deus Desconhecido, baseando-se na Lei desse próprio Deus Desconhecido. Como pode? Deus se permitir à humilhação? Por que Jesus ficou em silêncio? Se a lei era de Deus... E Jesus era esse Deus, então, bastasse Jesus provar isso aos seus acusadores. Mas por qual motivo não fazia isso? Se até em Roma um filho de uma autoridade tinha prestígios, quiçá o filho de Deus.

Uma batalha intelectual rondava minha mente, fui pego de surpresa quando me quiseram entregar o "flagrum" (açoite) para que eu iniciasse a injustiça. Tive força para recusar. Esse açoite é um tipo de chicote com muitos pedaços de couro com duas pequenas bolas de chumbo amarradas nas pontas. Quando vejo a primeira açoitada, começo a chorar. Dou alguns passos para trás, queria fugir dali, admito, tive medo. Eram vários golpes, ninguém tinha piedade. Eu corri até a parede e quando me encostei nela um prego perfurou meu braço. Gritei! Claro que mais de susto do que de dor, todavia, sentia uma ardência. Rapidamente peguei um pedaço de pano e amarrei no braço. Quando tornei a olhar para Jesus, quase o vi desmaiado.

Percebi que aquele paninho já não estancava a lesão em meu braço. Olhei para o lado, achei um tanque de água e lavei o ferimento. Aquilo ardia! Quando tornei a olhar para o Deus Desconhecido, vi que os solados o colocavam uma coroa de espinhos. Aqueles homens riam e zombavam daquele judeu. Diziam “Uma coroa ao rei! ” O Deus Desconhecido estava irreconhecível, parecia um homem morto.

Apesar disso, ele ainda seria crucificado.

Quando um dos meus superiores percebeu o meu machucado, sensibilizou-se e me disse "por favor, fique aqui, não precisa acompanhar o judeu até Gólgota". Ele ficou com pena de mim. Perceba a ironia, eu não precisava ir à Gólgota por causa de um ferimento no braço, já Jesus, mesmo quase morto, mesmo sangrando, iria. Meu braço ardia por causa da lesão... Agora, imagina o corpo de Jesus? Quantos cortes, quantos hematomas, quanta impiedade humana registrada em seu corpo?

Eu aceitei a “gentileza” de meu superior e fiquei por algum tempo recebendo atendimento médico. Quando acabaram os curativos, veio em minha mente uma frase de Jesus que alguém tinha me falado, não me recordo quem, mas essa frase dizia: “Médico, cura-te a ti mesmo”. Não sabia o que ela significava e nem quando foi dita, mas ela me proporcionou esperanças. Pensei, “E se Jesus, após tudo o que passou se curasse na frente de todos, mostrando o seu poder? ”. Uma alegria surgiu em mim. Rapidamente corri até o local de crucificação.

Quando cheguei lá, minhas pernas bambearam, tive vontade de gritar e chorar. Jesus estava agonizando. Ele olhou para o céu e disse “Eloí, Eloí, lama sabactâni” e em seguida morreu.

Esperei para ver se algo acontecia e aconteceu. A terra tremeu o céu se escureceu de pó. Eu estava de frente com Jesus, já não conseguia me segurar e bradei “Realmente este homem era o Deus Desconhecido”.

A ideia de que Deus morreu não me permitia o sossego. Não conseguia acreditar que as coisas terminariam assim. Jesus tirou o meu servo da morte, curou várias pessoas, provou o seu poder e provou que era Deus. Eu não conseguia compreender que o desconhecido Deus que se revelou a humanidade permitiu ser julgado por sua própria Lei e humilhado por seu próprio povo.

A crucificação ocorreu numa sexta-feira, quando foi domingo eu ainda estava muito triste com tudo o que tinha acontecido. Cada vez que sentia meu braço doer, logo me lembrava de Jesus e do sofrimento que ele sentiu. Lembro-me de que após Jesus morrer, isso ainda na sexta-feira, conversei com um dos rapazes que o seguia e ele me disse que o mestre sabia que iria morrer, inclusive, já os advertia sobre isso. Perguntei ao rapaz por qual motivo Jesus estava disposto a morrer, ele me contou que Jesus os afirmou, quando eles ainda estavam em outras bandas, que deveria ir a Jerusalém para sofrer muitas coisas nas mãos dos líderes religiosos, dos chefes dos sacerdotes e dos mestres da lei e, posteriormente, ser morto. Aquele homem também me disse que Jesus falou que ressuscitaria no terceiro dia após sua morte. Fiquei ainda mais intrigado, pois tudo aquilo que Jesus passou já era esperado pelo próprio Jesus.

Eu olhava para o meu machucado, enquanto me lembrava daquela conversa. Estava triste, as palavras daquele rapaz me perturbavam. Pensava “Jesus era Deus, sabia de sua morte, advertiu os seus seguidores que morreria e disse que...”, meu coração começou a pulsar rapidamente, até então não havia me atentado para tudo o que aquele rapaz me falara, “Jesus disse que ressuscitaria! ”, era domingo, o terceiro dia!

Comecei a rir sozinho, alegrava-me. Vesti minhas roupas e sai atrás de notícias sobre Jesus. Já era tarde quando me encontrei com dois homens eufóricos e alegres, de princípio achei que estavam bêbados. Perguntei seus nomes, lembro-me de que um deles se chamava Cleopas, e os indaguei se estavam bêbados. Eles olharam para mim e me disseram que viram Jesus e, ainda, que conversaram com ele, por isso estavam alegres. Eles estavam procurando pelos discípulos. Quando me disseram essa notícia comecei a chorar e os permiti que fossem difundir essa bela notícia. Jesus venceu a morte. De fato, ele era o Deus Desconhecido que se revelou a humanidade.

Realmente, sua crucificação foi injusta aos meus humildes olhos, mas planejada antes mesmo da criação da humanidade por Deus. As palavras do Deus Vivo se cumpriram e seus ensinamentos começaram a espalhar. Por fim, comecei a estudar e a aprender mais sobre Jesus, sobre a Lei Judaica, sobre as Escrituras Sagradas. Agora compreendo que Jesus é filho de Deus, mas ambos não deixam de ser um. Hoje compreendo que tudo o que Jesus sofreu já estava registrado e era necessário. Toda essa humilhação aconteceu para permitir que a humanidade fosse liberta do pecado. A solução de Deus para a condenação que estava sobre a humanidade foi se permitir ao julgamento para que os pecadores se livrassem da condenação.

Registro aqui a morte, mas também a ressureição do Deus Desconhecido que foi necessária para o cumprimento das Escrituras Sagradas. Hoje já estou velho e já faz tempo que observei tudo o que escrevi, mas cada detalhe está preservado. Ainda tenho muito o que aprender sobre Jesus de Nazaré.

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E Alyson Ribeiro
Enviado por E Alyson Ribeiro em 21/06/2021
Reeditado em 27/06/2021
Código do texto: T7283794
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