O Fogo
Assim, quieto, olhar aceso, respiração forte. A chama ainda tímida, começava a lamber o tronco, a rodeá-lo de leve, a crepitar com estalidos que se misturavam ao coaxar das rãs, ao canto das cigarras, ao levíssimo som de vozes ainda a beirar a festa nos longes do escuro. Se olhasse o céu veria, como jóias coruscantes, as estrelas pulsar ao ritmo de uma melodia suave que não se ouvia. O essencial nunca se ouve. Vem e arde-nos, queima-nos sem remédio. Agora a fogueira era viva e, ainda sem palavras, estávamos a olhar para onde fluíam os pensamentos. Cada um de nós a esconder do outro as emoções, a pele a eriçar-se entre o calor das brasas e a aragem fresca que corria do rio. Levantaste-te e deixaste cair a roupa. Ficou no teu lugar um corpo avermelhado, uma estranha figura, um monumento. Recolhi no espanto todos os sons que podia. Dizer era quebrar o encanto, tocar-te talvez fizesse natural o assombro mas ainda não podia. E quedei-me à espera de morrer, de ficar petrificado, de ser eu o teu desejo. E vi, leve e forte, vinho quente, descer por mim antes que viesses, a tua suavidade. – Vamos? Dissémos ao mesmo tempo antes de ir.