19 DE JUNHO DE 2021
Marchávamos pelas ruas de Vitória do Espírito Santo salpicados de vermelho-escarlate, ira e sonho.
As nossas bandeiras impunham palavras de ordem; caixas, bumbos e tambores estremeciam os repiques dos passos que caminhavam pela solitária e sonâmbula Avenida Nossa Senhora da Penha; o cheiro forte de suor e garra sustentavam o calor dos corpos debaixo de um céu nublado.
Oxalá sorria.
Naquela tarde, centelhas de vida encobertas pelos utensílios sanitários ecoavam nos cantos regimentados e rimas bravas.
De repente, saio da linha, perco o compasso e olho para o lado.
Todas as artérias do meu organismo congestionaram, o sangue não saiu do coração, a aorta ensaiou explodir. Um frio de estrelas tomou posse da minha face paralisada. Vi você.
No mesmo segundo, o seu rosto decide - involuntariamente - me encarar. Então, sua face cheia de ódios, amarguras e revoluções relaxaram. Por descuido, pude ver os portais da alma que a máscara não esconde. Seus olhos cintilaram na mesma constância dos meus.
As foices e martelos que carregavas nas mãos caíram ao chão. Minhas faixas foram levadas pelos ventos do sul em direção às catedrais do nordeste que badalam anunciações de futuros bons.
O protesto para em frente à Universal. Dirijo-me ao centro da via. Vem vindo você.
Levantamos as máscaras. Sorrimos um para o outro com os dentes alvos de Oxalá, que também sorria. A doçura tomou conta do espaço. Um beijo, duas línguas, o mesmo idioma, alguns repiques.
Agora, pois, que seja assim: você e eu, o movimento, o destino, a revolução, a vida inteira.
Axé!