NECESSIDADE DA TERRA
NECESSIDADE DA TERRA
- “Quero ser uma flor cheirada por todos”
Assim dizia ela, uma mulher sem nação. Sua carne não envelhecia com a mesma frequência com que era visitada. Finda a adolescência, ela tivera placentado todo o corpo e gerado desejo sem feto. Aterrada no leito. Vivendo as luzes nas entrecoxas, entre colchas fez-se coxa.
Para ela a vida era distração. Revelar-se, lazer. Seu ofício, seu orifício. Os homens eram por ela movidos a controle remoto. Quando quisesse, era só rebobinar. Bombear. Meter o tempo nas calças. Afinal, os dedos eram da noite. O dia pelos medos, à noite entre mãos.
Todo dia tanta substância era destinada a uma libação à maneira grega. Levantes e assentamentos com as mãos, pés, boca e língua e outras coisas que não relato porque não sou médico.
Seu vestido preferido era a nudez. Quando a desfraldaram, a primeira vez, foi a declaração áurea do seu ser-se feminina, mulher.
Até que um dia chegou um migrante das águas. Com redes. Arpões. Anzóis. E, a julgar pelo volume dele, o pescador se apaixonou.
- Você tem-me controle, porque é a Shereazade dos nossos lençóis e sei que todas as noites assumirão posições diferentes até que nos reste apenas ternura.
Mas ele deveria transpassar mais que as carnes do físico. Haveria antes de arcar com a carne dos seus anelos.
Não fizeram amor, pois esse sempre estivera pronto. Ao fim do ato sentiram-se como marionetes de si mesmos.
- “Nosso amor”, você prefere o “bêbado ou o equilibrista”, perguntou ela.
- Prefiro você bêbada se equilibrando em mim.
No dia seguinte, ao amanhecer, pés entre pés roçaram-se. Ela acordou diferente: estava murcha.
- Lembra-se que, antes, eu almejava ser flor? Pois flor só pode ser flor se for para o amor. Ao desejar ser isso, esqueci que para sê-la não carregaria comigo apenas a beleza e o perfume, mas o fenecimento, o enrugamento das pétalas. E mesmo sem ter espinhos, os teria intrinsecamente à morte.
Ele a pegou nos braços como quem pega uma semente. Colocou-a na terra e no sereno ela serenou. Ficou ajoelhado, lacrimejando e alguns transeuntes pensavam que estava chorando, não, ele estava regando-a.
Quando chegou a casa, sentiu-se rindo, e rio, tornou-se rio. “De volta às origens”, pensou. Mas, agora será diferente, tornou-se mais profundo. Inundou-se sem causar desastre algum.