De amores e terras distantes

A vigésima quinta sinfonia de Mozart é como o fluir do sangue pelo corpo, é um paroxismo de paixão, uma quebra de ATPs, a vontade de correr, deitar o mundo e domá-lo, tomá-lo, rendê-lo, beija-la de novo e pela primeira vez. O rapaz tinha dezessete anos quando a compôs. Aos dezessete eu não conhecia nem a Música nem a Paixão. Vontade de correr me faltava, trifosfato de adenosina também não, quem era Amadeus? Ela eu ainda não conhecia, quanto a Deus eu não o amava. Foi como me senti, como a vigésima quinta, e eu lá da Lua via a Terra pequena na palma da minha mão. Tomei-a, rendi-a, tornou-se minha, ela também, você não sabia? E embora do mundo não fizesse eu muita questão, andei com ele dependurado alguns dias, sabia que um dia voltaria, mergulharia no azul do geoide e acordaria molhado ao lado dela, de amores e águas salgadas. E então não seria mais Amadeus, seria talvez um italiano, seria Outono, e não mais viveria da vontade de deitar o mundo, mas de me deitar nele, sob um seu céu de Sol e Lua, minha velha casa, esmaecida e redonda, esperando pelo descobrir da noite para então poder monopolizá-lo com a sua aura de mel. Seus olhos eram castanhos, os cabelos também, como imaginava serem as cores da mãe-terra. Vou te levar para além dos bóreas, eu lhe dizia. Somos jovens, mas não tenho mais os dezessete. Ainda bem! Que sabia eu então? Tenho a vigésima quinta em MP4 e meu sangue ainda corre, ainda flui, tenho ela no meu quarto e o mundo lá fora das minhas euforias de deus pagão, desassombrado. O Outono ainda não chegou, e eu, alado, aluado, malfadado pelos átrios de um coração que não se abastece apenas de sangue como o dos animais selvagens de sangue quente e olhos frios, lá da Lua olho para cá, enquanto ela me pergunta no ouvido, porquanto me beija, por quanto me beija?, se para lá dos bóreas o Sol seria tão quente como quando a sós comigo.