As Cartas
Que se soubesse, ninguém estaria interessado em escrever-lhe. Fechado, mudo, sisudo, Mateus não convivia com ninguém e, na escola, todos os colegas o evitavam. Ficavam pelo convívio à distância e só não o agrediam por ser nítido que se defenderia com vantagem sobre a maciez tenra dos outros. Saiu da Faculdade sem que o vissem interessado em namoros ou sexo mas quando as cartas começaram a chegar com regularidade, animou-se a mãe e o pai encheu-se de esperança. Cheiravam a alfazema e o papel, róseo, tinha uma textura subtil. Resistiram todos a saber pormenores, a violar a correspondência e questioná-lo sobre o assunto era impensável. Aquele filho nascera deles mas nada tinham em comum. Entretanto arranjou emprego e anunciou que se mudaria logo que pudesse. Sentiria saudades, disse, mas era justo que lhes desse mais liberdade e menos preocupações. Na mudança viram os envelopes cor-de-rosa em maços de dez e, olhando com maior atenção, notaram a presença de muitos outros, escritos com a sua caligrafia. Pegou a mãe de uns e outros, meteu-os no bolso do avental, saiu para a cozinha e leu, fascinada, porções do romance nas respostas do filho. Deixava voar as ideias, via-se avó. A medo abriu depois os outros. Havia, em todos os que trouxe, o aroma de alfazema, o requinte feminino, uma óbvia paixão. Já idealizava a vida muito mais normal quando, fixando melhor a caligrafia reconheceu, transformada embora, a letra de Mateus.