O segundo sonho

O quarto do primeiro casamento – um erro nunca transformado verdadeiramente em sacramento – era uma piscina de tinta nanquim viscosa. Na madrugada, o acordar súbito e assustado, era o acordar de um homem engolfado pelo negrume. Um afogado que não conseguia subir à superfície do líquido retinto para respirar, pelo peso enorme de uma aliança que ele não queria em seu dedo. Cada tentativa de puxar ar transformava-se no engolimento de um breu que escurecia tudo. Olhos, coração, pulmões, estômago, veias, artérias, tudo. Tudo tomado pelo negrume, especialmente a alma, transformada em uma cortina espessa que não deixava passar a luz.

Não. Absolutamente não. A companheira daquela época não era culpada por seu engolfamento e, através de amorosa respiração boca a boca, ela deu a ele todo o ar possível. Mas, o casamento, para quem quer permanecer sozinho em uma piscina rasa, própria para crianças, ganha a dimensão de uma piscina olímpica assustadora, quando nele se mergulha.

“Quando eu era menino, falava como menino, sentia como menino, pensava como menino; quando cheguei a ser homem, desisti das coisas próprias de menino.” 1 Coríntios 13:11.

Ele não era mais menino. Tornou-se homem feito e o casamento passou a ser o seu querer, por causa dela, que era seu bem-querer. Ela - precioso presente divino - tirou-o do quarto escuro e levou-o para um espaço de luz, beleza e leveza. O amor dos dois era amor de pousada colonial, de montanhas bíblicas ao redor, de pouso de pássaros na ampla janela que descortinava a amplitude imensa de um céu lindo e limpo, onde voava alto uma pipa em formato de coração. Um coração próximo de Deus.

Túllio Carvalho
Enviado por Túllio Carvalho em 14/05/2021
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