AMOR DE MÃE.
Era quase manhã. A páscoa chegando. O jovem deu um suspiro e apoiou-se num muro. Estava muito cansado. As sandálias nos pés, a túnica marrom. Os longos cabelos e a barba rala. Os olhos espertos viram dois soldados romanos se aproximando. Um arbusto. O rapaz se abaixou e ficou imóvel. Estava perto de seu destino. Os soldados passaram perto mas não o viram. Rapidamente, o moço seguiu seu caminho. As casas a frente. A periferia de Jerusalém. A porta fechada. O jovem bateu por três vezes. Esperou um pouco e deu mais dois toques na porta. Ele olhou em volta. A porta se abriu. -"Sou eu, Simeão. Jonas!" Disse o jovem ao ancião que lhe abrira a porta. -"Entre. Maria dorme." O jovem estava inquieto. -"Tome um pouco de água, Jonas. Certamente as notícias não são boas." Uma mulher veio até a sala. Os dois homens se viraram. Outra mulher veio atrás dela, com uma lâmpada. -"Minha senhora, repousa." A mulher mais a frente ignorou o conselho da outra. Ela se colocou em frente a Jonas. -"Nenhuma mãe consegue dormir quando o filho está em perigo. Diga, meu filho. Eu sinto e sei que algo aconteceu." Jonas olhou para o ancião, querendo aprovação. O ancião abaixou a cabeça. O jovem foi direto. -"Prenderam o mestre no Getsêmani. Alguns dos nossos discípulos viram os guardas o levarem. Judas o traiu." Maria começou a chorar. O ancião abraçou sua esposa, Marta. -"Vão libertar Jesus pois ele é inocente. Tenho certeza disso." Um silêncio se fez. Maria era consolada por Marta. -"Ele disse que isso ia acontecer. Esperemos e confiemos." Disse Maria, mansamente. -"E os apóstolos?" Perguntou o ancião. Jonas ficou surpreso. -" Os que andavam com o mestre? Estavam no jardim apenas o Simão Pedro e os filhos de Zebedeu. Devem estar com medo, confusos. Bedur viu um deles entrando no cenáculo." Maria ouvia os relatos em silêncio. O coração aflito. -"Certamente Jesus será levado a casa do sumo sacerdote, Caifás. Os chefes chegarão ao Sinédrio. O mestre poderá ser condenado. Eles o odeiam." Disse Jonas. Marta veio até eles. -"Vamos. Temos que acompanhar de perto." A porta se abriu. -"João?!" O apóstolo que Jesus amava entrou. Ele abraçou a mãe de Jesus. -"Jonas já trouxe a notícia. O mestre está sendo julgado. Temos que ir." Maria acompanhou João. O ancião, Jonas e Marta os acompanharam. Jerusalém estava tomada de peregrinos em virtude da celebração da páscoa. -"Meu primo tem uma casa perto do mercado. Estaremos seguros lá." Disse Marta a João. Jonas voltou a casa, uma hora depois. -"Me encontrei com alguns discípulos. Jesus foi amarrado e levado a Pilatos." João e Maria seguiram para o palácio do governador. Uma multidão estava reunida. Maria viu o filho de longe. Um aperto no coração. Jesus estava amarrado. Ao lado dele, o governador e Barrabás, um prisioneiro famoso. -"Querem que eu solte Jesus de Nazaré ou Barrabás?" Gritou o governador. Maria e João abriram caminho entre a multidão e chegaram mais perto da tribuna. Maria pôde ver a agonia da esposa do governador. Ela se aproximou de Pilatos e susurrou. -"Jesus é justo. Sonhei muito com ele essa noite, meu amor." Os chefes dos sacerdotes e outros anciões se misturaram a multidão e convenceram o povo para pedir a liberdade de Barrabás. -"Querem que eu solte Barrabás! E o que faço com Jesus, o tal messias??" Maria foi amparada por João ao ouvir a multidão gritando para crucificaram Jesus. -"Que mal ele fez?" Gritou Pilatos. A multidão gritou mais forte. -"Crucifica-o. Seja crucificado." Pilatos lavou as mãos. O governador romano ordenou que soltassem Barrabás. Jesus seria flagelado e crucificado. Tempo depois, Maria se encontrava com o filho durante a via dolorosa. Ela correu e o abraçou. Mãe e filho juntos por um breve momento. Ele com um manto vermelho, a coroa de espinhos na cabeça e a cruz nas costas. A mãe sofrendo com o filho. O maior exemplo de compaixão, dividindo a cruz. O filho seguiu sua via sacra. Maria chorando. Tempo depois, no calvário, quanta dor no coração da mãe, vendo o sofrimento do filho. Maria estava aos pés da cruz, junto de Maria de Cleófas, Maria Madalena e João. -"Mulher, eis aí o seu filho." Disse Jesus a Maria. -"Filho, eis aí a sua mãe." Jesus sentiu sede. Pediu água e lhe deram vinagre. Maria viu o filho morrendo, logo depois. Tudo ficou escuro. A cortina do santuário se rasgou. Júlia chegou em casa. O suor escorrendo da testa. Uma caminhada de uma hora até o centro da cidade para entregar currículo. Os três filhos em casa. O marido tinha morrido há sete meses de Covid. O aluguel atrasado. A loja onde era vendedora fechou as portas e ela foi demitida. As escolas fechadas. O desafio de sobreviver numa pandemia. -"Estou cansada, só o pó. Esgotada mas confiante em Deus. A fé nos move." Júlia não tinha outra solução senão voltar para Serra Talhada, em Pernambuco. Na casa simples de seus pais, os filhos teriam o que comer. Ela se foi e enterrou o sonho de felicidade na capital paulista. Bruna perdeu o emprego no começo de 2020. O salário alto do escritório de advocacia ficou no passado. O filho Matheus teve de sair da escola particular e das aulas de natação. Bruna abandonou a academia devido ao fechamento e restrições. A mensalidade já não cabia no orçamento. As dores no joelho e nas costas ficaram em segundo plano. A moça tem asma e morre de medo de contrair Coronavírus. Os cuidados redobrados com uso de máscara e álcool gel. Vê os pais idosos uma vez por semana, devido ao distanciamento. A pensão que o ex marido paga ajuda no orçamento. Conseguiu pegar duas faxinas, em consultórios médicos, nos finais de semana. O filho pequeno fica com a vizinha, também em situação crítica. -"Nessas horas é preciso colaboração e retribuição. Não é fácil. Só Deus pra fazer essa pandemia passar." Bruna conseguiu um bico, ajudando um amigo, dono de uma lanchonete. Alguns amigos e um primo se foram devido ao Covid. A tensão e o medo. Angústia e muitos momentos de desespero. Os preços dos alimentos nas alturas. A preocupação com o lar e os filhos. Aparecida estava a dois meses morando num hotel. A médica estava na linha de frente contra o coronavírus. O esposo com as três filhas na casa da família. A pequena Juliete era a preocupação maior pois tinha sete meses de vida. O medo de transmitir o vírus a família foi o motivo dela se instalar no hotel. Dezesseis horas de trabalho intenso no hospital de campanha. A médica parecia um astronauta com tantos trajes de proteção. O choro após casa morte, dezenas por dia. A falta de respiradores. As ambulâncias chegando a todo instante. Os corredores lotados. Os leitos de UTI lotados. Um cenário de guerra. -"Não podemos perder a guerra contra a pandemia. Vamos vencer, em nome de Jesus." Evoneide se colocou atrás da moça com uma criança no colo. A fila imensa a sua frente. Mais de cinco mil pessoas a espera de uma cesta básica, distribuídas por uma ONG e uma igreja evangélica. O esposo doente em casa. Os dois filhos pequenos. O barraco na favela de Paraisópolis. A mulher ficou ali, paciente debaixo do sol forte. Seis horas na fila que não andava Ela começou a rezar baixinho. O rapaz com megafone anunciou que as cestas tinham acabado. A mulher olhou pra trás e viu centenas de pessoas. Outras centenas de pessoas a frente dela. Ela voltou pra casa de mãos vazias. Fez um chá para enganar a fome dos filhos. Meio pacote de bolachas seria o jantar da família. No dia seguinte, outra fila em frente a igreja do bairro. Três horas de pé para conseguir um kit com pães, três litros de leite e dois pacotes de macarrão. A fila andava depressa. Evoneide chorou ao receber sei kit. Ergueu as mãos aos céus, agradecendo. -"É a nossa via sacra. Não podemos desistir." Mari acordou as quatro horas da manhã. O banho caprichado, o café fresquinho. O apartamento pequeno com prestações a perder de vista
O celular. O marido dormindo. Ele foi até a garagem. O carro. A motorista de aplicativo queria trabalhar até às dezoito horas mas a ligação do marido fez com que parasse às treze horas. +"A Vitória está queimando em febre." Mari foi pra casa. Era arriscado levar a menina de seis anos a um hospital. Tinha o risco de contaminação por Coronavírus. Com o esposo desempregado eles cortaram o convênio médico pra aliviar o orçamento. O posto médico do bairro, era a solução. Por sorte era só uma gripe. -"Onde está o Michael?" Perguntou ao marido, brincando com a filha. -"Não sei. Saiu todo perfumado e com a camisa nova." Mari ficou preocupada. Na manhã seguinte ela saiu pra trabalhar. Uma chamada. --"Obrigado, senhor Jesus. Uma chamada de trinta reais pra começar bem o dia. Louvado seja." Era pra ir até uma chácara. Uma região de represa, linda né do centro. -"Um rapaz e uma moça ao lado de uma casa. Era uma chácara. A música alta. -"Michael, o táxi chegou, parceiro." Mari viu o filho se aproximar. -"Vacilou, Carlos. É o carro da minha mãe." Mari estava furiosa. -"Coloque máscaras. Lá em casa conversaremos, Michael. Bonito o senhor numa festa." No dia seguinte, o rapaz visitou os avós Genaro e Renata. O esposo de Mari estava com dores na garganta. Dores no peito e falta de ar. -"Seu feijão está sem sal nenhum." Reclamou. Mari começou a sentir os mesmos sintomas. -"Aí coroa, o feijão tá sem sal de novo." Reclamou o filho. Os pais de Mari foram hospitalizados no dia seguinte. A família toda fez os testes de Covid 19. O esposo de Mari ficou internado, precisando usar respirador. Os pais da motorista de aplicativo morreram dias depois. Michael transmitiu o vírus a família. Ele e a irmã pequena tiveram sintomas pequenos. Mari ficou isolada em casa por duas semanas. O esposo dela ficou com sequelas, durante um tempo. -"Não dá pra relaxar. Não é uma gripezinha. Por Deus não morreu a família inteira."
Ernestina recebeu a ligação do hospital. Ela deveria comparecer ao hospital de campanha com urgência. A mulher ligou para o esposo, isolado numa chácara da família. -"Temos que ir ao hospital. Meu coração me diz que o Zezinho se foi." O homem desatou a chorar. O filho de trinta anos estava entubado a dois meses. Teve uma pequena melhora e alimentou esperanças. As comorbidades, associadas ao Covid, se intensificaram. O rapaz era obeso mórbido, cardíaco e diabético. Os pulmões em estado crítico. Ernestina, o marido Paulo e os sobrinhos, Angela e Tino, assistiram de longe o caixão descendo a cova, no cemitério da Saudade. Sem despedida, sem velório, sem parentes e amigos. -"É anormal uma mãe morrer antes de um filho. Deus é nossa força." Maria estava com alguns apóstolos quando algumas mulheres chegaram. -"Fomos ao sepulcro do mestre. A pedra tinha sido rolada, sem guardas. Jesus não está lá." Disse Maria Madalena. Pedro e João correram até o sepulcro mas nada encontraram. Não compreenderam as escrituras que dizem que Jesus deveria ressuscitar. Ao anoitecer, estando as portas e janelas fechadas, Jesus entrou e se colocou no meio de seus discípulos e disse: -"A paz esteja com vocês." Maria, com os apóstolos, recebeu o Espírito Santo e viu o filho ressuscitado. Essa é a fé que move cada mãe nesses tempos sombrios de pandemia. Buscar forças e se reinventar. Jesus, o filho de Deus e o nome mais poderoso nos céus e na terra, veio ao mundo e pode experimentar a grandeza, pureza e doçura do amor de mãe. E viu que mãe pode ser traduzido por amor. FELIZ DIA DAS MÃES.