Dedos na mesa
Ouço os leves batuques de seus dedos na mesa. Ela não expressou em palavras a angústia de seus gestos, mas pelo o histórico dos últimos dias já sei o que esperar. Meus olhos já ardem pelo choro que há de vir. A luz que entra na janela incomoda minha retina e nesse instante pouco sei de mim.
O que é a vida senão os momentos vividos? Sei que em breve as alegrias de nossa relação estará presente apenas na memória, logo viveremos tempos de luto, distanciamento, perda de contato e, quem sabe, uma retoma da amizade que nunca será a mesma que se tem hoje.
“E o que é o amor?” Me perguntou ela no primeiro dia de nossos beijos. Estávamos sentados na escada da faculdade olhando as estrelas, contanto elas. Minha resposta veio inocente, acreditei naquele instante que o amor era apenas o sentimento que transbordava em meu peito, sem saber que em breve descobriria que o amor era também o cuidado, a paciência, os sonos compartilhados e os sorrisos gerados por brincadeiras sem graça que fazíamos um com o outro.
Mas notei que hoje, com ela na minha frente, também descobri que o amor é o saber deixar ir. É o perceber que a alegria leve que antes tínhamos se tornaram, em sua maioria, em dias de brigas e desentendimentos.
Lembro quando viajamos por tantos lugares por aí. Onde eu, com a ansiedade de sempre, buscava planejar o dia com antecedência para que todos os passos fossem os mais certeiros possíveis. Você, com sua calma, me dizia para esquecer tudo isso e apenas viver o momento. No fim o dia se mostrava uma mistura das duas formas de pensar. Lembro da sua alegria ao realizar o sonho de tomar banhos em banheira. Lembro do seu silêncio contemplador que lentamente observava o sol se pôr no horizonte. Quando me dizia para deixar o celular de lado para que pudéssemos conversar mais durante o dia.
Mas o tempo foi desgastando nossa relação, como acontece com tantos casais por aí. As brigas por bobeiras começaram a se multiplicar. Haviam momentos que o nosso sentimento um pelo o outro queria simplesmente esquecer tudo e dizer o quando nos amávamos, mas algo no ar impedia isso, talvez o ego, e no fim deitávamos um do lado do outro em silêncio, desconfortável com nossa relação.
Nomeamos filhos que nunca realmente existirão. Planejamos casas que nunca nem foram desenhadas. Viagens que nunca tiveram passagens compras. Anos de relação que nem chegaram perto daquilo que sonhávamos.
Agora vejo você lentamente suspirar. Olhar para mim com o olhar de pena e angústia. Das conversas mais óbvias, essa é a mais difícil. Sei que busca encontrar as palavras corretas nesse instante, por isso você impacientemente se move na cadeira, por isso batuca tanto com os seus dedos na mesa.
E talvez na minha mente o que mais ficará gravado são esses dedos na mesa. Dedos tantas vezes permitidos serem tocados por mim, agora se tornaram estranhos, distantes. Os momentos que antecedem a hora derradeira são os piores. Seu lábios contraídos, seus dedos perdidos, seus dedos inquietos. O que passa em sua mente?
Mas subitamente seus dedos pararam de batucar. O momento esperado chegou. Nesse instante notamos o quanto o tempo é implacável, ele sempre passa e obriga que as coisas se concretizem em nossas vidas, os fatos precisam acontecer, a história se move destemidamente para o futuro. O grande "talvez" que tanto imaginávamos se torna agora uma certeza. A subjetividade se torna objetiva. Você novamente suspira, olha nos meus olhos e murmura:
- Então...