Amor Amor

Eu cheguei naquela cidade do interior, nomeada para um cargo público. Estava bastante contrariada por ter que me mudar para uma cidade pequena e distante da capital onde sempre morei. Mas não podia perder a oportunidade.

Quando cheguei naquele lugar estava de má vontade e já cheguei odiando tudo.

Só pensava no dia de viajar para minha cidade.

Aos poucos fui me adaptando. Comecei a sair com os colegas de trabalho e me divertir um pouco.

Vinha de um relacionamento que me decepcionou muito e dizia a todos que estava fechada a novos relacionamentos afetivos.

Um dia saímos após o trabalho para um happy hour. Notei que em uma mesa estavam dois homens. Um deles tinha os olhos tristes, o semblante triste. Imediatamente senti uma atração enorme por ele. Olhava insistentemente até que ele notou e pareceu incomodado, mas olhava vez ou outra.

Perguntei ao colega do lado quem era ele.

O colega disse:

-Não perca seu tempo, minha amiga. Dizem que ele teve uma grande decepção há alguns anos e não se interessa por ninguém

-Eu também tive uma decepção. Podemos nos curar. Ele está me olhando

-Deve estar incomodado com a insistência com que você olha pra ele.

-Quando quero alguma coisa não desisto facilmente.

Pouco depois ele foi embora.

Nos dias seguintes eu procurei mais informações sobre ele. Soube que era um empresário da cidade e que teve uma grande decepção no dia de seu casamento e desde então tornou-se triste e solitário.

Nos vimos outras vezes pela cidade. Num happy hour, depois de muita insistência minha, uma colega me apresentou a ele. Ele foi muito educado e atencioso mas mostrou-se totalmente desinteressado. Fiquei chateada mas nem pensei em desistir.

Conversei com ele outras vezes e ele começou a baixar a guarda. Como ele não tomava a iniciativa eu o convidei para sair comigo. Ele aceitou. Talvez por educação.

Conversamos muito e eu senti que ele era um homem muito interessante. Por meses saímos e conversamos muito. Eu sentia que ele começava a se envolver comigo mas nunca tomava uma iniciativa. Nem um beijo rolou em todos estes meses. Depois de mais algum tempo eu o beijei. Ele se entregou. Continuamos saindo juntos e eu contei a ele a minha decepção com um namorado. Ele me disse que também teve uma grande tristeza e que não consegue superar mesmo depois de seis anos. Pedi pra ele me contar o que aconteceu mas ele se esquivou dizendo que um dia me contaria.

Fomos nos envolvendo aos poucos.

Numa noite, o calor estava insuportável. A gente saiu caminhando, conversando. Na pracinha da cidade ele se virou para mim. Com o olhar distante começou a falar:

“Nas noites quentes de verão me sinto angustiado.

O vento soprando leve e morno ou o tempo abafado traz lembranças dolorosas.

Quando eu tinha vinte anos comecei a namorar uma garota de quinze anos. Foi uma paixão a primeira vista e recíproca.

Acho que se esta história de almas gêmeas existe, éramos almas gêmeas.

Namoramos por quatro anos e ficamos noivos. Éramos tão unidos e apaixonados que chegávamos a adivinhar as vontades e desejos um do outro. Quando faltava quatro meses para o casamento ela teve um desmaio repentino. Foi para o hospital, fizeram vários exames e por fim descobriram que ela tinha uma cardiopatia mas os médicos disseram que podia ser tratada e prescreveram uma medicação. Continuamos nossa vida e nossos planos. Estávamos super felizes com a aproximação do casamento. Nossa casa estava pronta. Todos os detalhes resolvidos.

Na véspera do casamento conversamos longamente e ela estava um pouco pessimista, falando de coisas estranhas, dizendo para eu nunca esquecê-la. Mas eu não levei muito a sério.

Chegou o dia do casamento e eu estava emocionado e feliz. Já estava na Igreja esperando e ela estava atrasada. Até que um amigo chegou e me disse que ela desmaiou na hora de sair para a Igreja e foi levada ao hospital.

Eu sai correndo pela Igreja afora. Peguei meu carro e nem sei como cheguei ao hospital.

Cheguei e ela estava deitada com vários aparelhos ligados.

Ela estava desacordada e muito pálida. Seus pais estavam à cabeceira dela. Seu vestido de noiva estava jogado por sobre uma cadeira. Eu peguei a mão dela e estava muito fria. Muito depois ela abriu os olhos. A enfermeira rapidamente foi chamar o médico. Ela olhou para os pais e depois para mim. Ela disse:

-Papai, mamãe, meu amor…

Sua voz estava muito fraca e eu disse:

-Está tudo bem

-Não, não está nada bem. Eu sinto que não vou resistir. Papai, mamãe dêem-me a sua bênção. Meu amor pense sempre em mim. Não me esqueça. Nem depois de morta eu vou lhe esquecer. Dê-me um beijo para que eu te leve comigo.

Ela fechou os olhos enquanto eu toquei seus lábios no mais terno dos beijos. Ela então soltou minha mão.

O médico se aproximou, examinou e tentou reanimá-la. Mas todos os esforços foram em vão.

Seus pais foram retirados do local pois estavam transtornados. Na corredor do hospital os convidados estavam atônitos sem poder acreditar no que estava acontecendo. Eu fiquei imóvel, petrificado. Todos observavam, consternados, a minha dor. De repente eu comecei a ter uma crise nervosa e agredi o médico. Peguei o vestido e levei até ela pedindo que se vestisse. Eu estava chorando abraçado a ela. Senti que seu corpo estava inerte e perdia calor.

Meu amigo entrou no quarto e conversou comigo me convencendo a sair dali. Eles já estavam indo buscar o corpo. Eu chorava como uma criança. Não conseguia acreditar que aquilo estava acontecendo. Eu sentia uma tristeza imensa, uma dor que chegava a ser física de tão grande e profunda.

Aquela era uma noite quente e abafada de verão.

Fiquei junto a ela até o último momento. Fiquei de longe no cemitério pois não consegui vê-la baixar ao túmulo.

Passou. Hoje, depois de seis anos, eu ainda sinto um imenso vazio. Durante muito tempo tive vontade de ir encontrar minha alma gêmea. E ainda hoje muitas vezes eu sinto esta vontade. Nunca mais tive alegria de viver, nunca mais sorri como eu sorria. Nem sei se algum dia eu vou voltar a sentir alegria de viver.

Eu quero lhe dizer que nunca mais eu vou amar nenhuma mulher como eu a amei. Nunca vou esquecê-la pois um pedaço do meu coração foi sepultado com ela.

Estou lhe contando tudo isto para que você faça sua escolha. Estou me sentindo muito bem em sua companhia e talvez a gente até possa se envolver. Mas será que você está disposta a se envolver com um homem triste como eu? Com um homem que talvez nunca possa lhe amar por inteiro?”

Durante sua narrativa muitas vezes ele chorou copiosamente. Eu sequei suas lágrimas com um carinho em seu rosto e com muitos beijos. E disse sim a ele:

-Sim, eu quero estar em sua companhia. Sem pressa, sem cobranças. E eu sei que um dia, pode até demorar, mas um dia você vai sentir alegria de viver e sorrir com espontaneidade e gosto. Pode não me amar como a amou. Mas se você me amar, eu vou ficar muito feliz e vou me esforçar para que você também venha a sentir felicidade.

Ele me olhou com carinho e me abraçou. Sem promessas. Mas como quem já não tem medo de um novo amor…

Nádia Gonçalves
Enviado por Nádia Gonçalves em 24/04/2021
Reeditado em 24/04/2021
Código do texto: T7240470
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