"QUANTO TEMPO DA VIDA EU LEVO PRA SER FELIZ"

Era uma quinta-feira. Nesse dia, ele chegou mais tarde no hotel. Passou no meu quarto para conversar. Eu já estava deitada, mas quando ouvi a sua batida na porta, me levantei para recebê-lo. Ele me disse que tinha ido ao teatro, depois que saiu do trabalho. Por isso, o sumiço. Eu passei a noite toda sentindo a sua falta e quando entrou no meu quarto, um feixe de luz irradiou o meu coração.

Ele sentou na cama e começou a me contar sobre a peça que assistiu. Disse que ela encenava um relacionamento entre dois jovens. Um relacionamento novo e que enfrentava uma batalha psicológica com suas famílias. Uma batalha para continuar existindo, no seio de relacionamentos estabelecidos à base das aparências. Parece que a moça não era a escolha ideal para o rapaz. Ao menos não era aos olhos da família dele. Ele me contava tão entusiasmado e, silenciosamente, eu aparava cada palavra que escapulia da sua boca.

Nós conversamos por horas, até ele se dar conta que precisava ir embora. Tinha que acordar cedo no outro dia. Antes de sair, me convidou para ir assistir à peça, me disse que era tão boa, que nem se importaria de vê-la novamente. Eu aceitei o convite e na noite seguinte, numa linda noite de sexta-feira, a gente fez o nosso primeiro passeio. Vimos exposições e a peça "Quanto tempo da vida eu levo pra ser feliz". Foi a minha primeira vez num teatro e foi com ele, meu Amado. Fiquei muito emocionada.

Quando o passeio terminou nós fomos para casa. Para a sua casa. Algo nele me dizia que eu poderia confiar, apesar da desconfiança que, volta e meia, me visitava. E ela me encontrou logo ali, naquele ônibus lotado. De repente, me senti sozinha numa multidão de gente estranha. Olhei para ele e não mais o reconheci. Por um momento, parece que o meu coração esqueceu o que sentia. E eu senti medo. Soltei a sua mão. Eu quis fugir. Para onde? Àquela hora, já não adiantava arrependimentos.

Foi quando o ônibus parou que a disputa entre emoção e razão voltou à cena. Chegamos, ele me disse, enquanto se preparava para descer. Seguimos até o fundo do ônibus. Ele desceu e eu permaneci. Inerte. Sem saber o que fazer ou para onde ir. De fora do ônibus ele me olhava preocupado, esperava a minha descida, mas a porta se fechou. Eu vi medo nos seus olhos. O ônibus saiu e eu segui sem ele. Só.

Rapidamente, ele bateu na porta do fundo, naquele ritual de quem pede ao motorista para que pare o ônibus. Ele corria e batia na porta. Corria para não me perder. Desesperado, ele seguiu batendo na porta, para não me perder. Quando, finalmente, o motorista atendeu o pedido. Freou bruscamente o ônibus. As portas se abriram e todos me olharam. Fiquei ali parada, mas os olhares exigiam que eu descesse. Do lado de fora, ele descansava aliviado e aguardava a minha descida. Não imaginava os meus medos. Não imaginava os meus desejos. Eu engoli o choro e desci. Ele segurou a minha mão. Seguimos juntos, caminhando em direção à sua casa, e nenhuma palavra pronunciamos.

Quando chegamos no prédio eu desabei. O choro contido se esvaiu. Chorei um rio caudaloso. Eu chorava e ele segurava a minha mão. Nenhuma palavra falava. Eu chorava e ele só me olhava. Depois que eu chorei todos os medos, ele enxugou as minhas lágrimas, me abraçou e me pediu para entrar. Disse que ali fora era perigoso e que na sua casa eu estaria segura. Será que sabia o que eu estava sentindo?

Eu entrei na sua casa e adentrei o seu mundo. Os meus olhos passearam por cada cômodo. Lembro cada detalhe do lar. A disposição dos móveis. O violão encostado num canto da sala. Os quadros na parede. Um deles tinha a inscrição: “quando somos livres a liberdade pode nos levar a um encontro inesperado”. Num outro, a sua mãe figurava. Jovial. Imponente. Como são parecidos, eu pensei.

Sentamos no sofá. Àquela altura, a madrugada já se amostrava e fazia frio, mas um frio bom de verão. Eu comecei a me encolher no sofá, numa tentativa de me manter aquecida. Ao ver a cena, ele riu de mim. Foi no quarto, pegou um cobertor e me cobriu. Eu agradeci descabriada. Em seguida, pegou uma cadeira na cozinha e a colocou na minha frente. Pegou também o violão, sentou na cadeira e começou a cantar: "Can you feel the love tonight?"

Quando dei por mim, eu cantava também. Nossas vozes combinaram. Fizemos um coro tão bonito. Lembro o seu jeito de cantar e de segurar o violão. Lembro o jeito que me olhava. Lembro o tom da sua voz e a disciplina da sua respiração. Enquanto a gente cantava, da sua estante, Dom Quixote me acenava com gesto de aprovação. Nesse instante-sonho eu despi minha armadura. Pude sentir o amor naquela noite. E só bastou uma noite para eu ser feliz.