-- Foi teu sorriso, com certeza.
-- No meu caso, seu Opala Diplomata.
Jordão, em leve desconcerto, entrou no jogo. – Eu sabia. Saíste comigo por causa do carro!!
-- Provavelmente. Mas quer saber por que continuei saindo por 53 anos?
Jordão frisou os olhos: -- Tem a ver com o cortador de grama que herdei do meu pai?!
-- Comecei por interesse, confesso. Depois notei que tua gentileza e bom humor fazia-me bem. Mas havia algo mais que no inicio eu não sabia o que era.
-- Talvez meu bigode, provocou Jordão.
-- Era a sua bondade, - disse lacrimejando- Incipiente no inicio, quase disfarçada, como se não quisesse que descobrissem. Contudo, ano a ano, notei teu senso de justiça aflorar acompanhado de sabedoria. Quando dei por mim, estava não só apaixonada por você, mas já me tornara sua discípula. A mim, te tornaste o mais belo dos homens. Eras pra mim a vestimenta da verdade que se desvelava aos meus olhos. E nós sabemos, Jordão, que não há nada mais belo que a Verdade.
-- Sei bem esposa, pois eu A vejo em ti todos os dias.
-- Vês apenas o que tu próprio construíste em mim.
Silêncio e cumplicidade.
Peço que o leitor respire neste momento em respeito ao amor verdadeiro.
-- E pensar que tudo começou com o Opala, retomou Jordão.
-- Sim, esposo. Do interesse para o prazer. Do prazer para a devoção. Não uma devoção a ti Jordão, pois te sei imperfeito, mas uma devoção ao melhor de ti. Vi tua beleza interior desabrochar em vida ética. Vi na sua vida ética a beleza estética que tanto eu imaturamente buscava nos corpos. Então passei a rir desse belo "das" coisas. Deste fosco reflexo, mero espectro comparada a sublime beleza do teu Ser Real.
-- Estou muito velho. Acautela-te, esposa.
-- Diga-me, marido. Foste sempre Bom?
-- Na essência, como todos, esposa. Mas não na forma.
-- Como assim?
Jordão suspirou, fechou os olhos e como um bom canceriano rememorou com detalhes sua infância:
-- Por que não convida o nosso vizinho Andrezinho, Jordão. Teu pai vai fazer churrasco hoje.
-- Não precisa, mãe. -- Não vai dar – pensava Jordão – tem pouca carne e o André come muito. Pensava isso sempre, embora também sempre sobrasse carne para o carreteiro do dia seguinte.
Na escola, André tinha Jordão como grande amigo. Dividia com ele todo seu lanche, quase sempre um delicioso bolo de milho e suco de uva. Jordão esperava ansioso a hora do recreio. Levava um fruta com ele, que comia sozinho, antes que André o visse.
André também era o dono da bola. E ser amigo do dono da bola era sempre vantajoso. Fora isso Jordão e André não tinham muitas afinidades. Definitivamente não fazia sentido na cabeça de Jordão dividir o escasso churrasco com o amigo. Com o tempo, Jordão já não tinha necessidade de lanchar com André. A bola também já não era necessária, pois a escola disponibilizava bola para todos os alunos.
Assim, acabada a utilidade de André, acabou também a amizade entre os dois. Afinal, como diz Aristóteles, se a base da amizade é a utilidade ou o prazer, não há nada de estranho no fato de a amizade ser rompida quando os amigos deixam de ser uteis e agradáveis.
Para André, a companhia de Jordão não lhe era tão utilitária, antes um tanto prazerosa, pois Andre tinha um temperamento solitário e pessimista e aquela era a maneira de Andre abrandar a sua solidão.
André tinha um irmão mais velho, Fábio. Jordão tinha grande estima por Fábio, pois os grandes sempre causam estima aos pequenos. Jordão o considerava inteligente e engenhoso. Tinha uma conversa interessante e Jordão sempre estava a aprender com ele.
-- Oi Jordão. O André ainda esta dormindo.
-- Oi, Tia. Vim falar na verdade com o Fábio.
Fábio tinha seus quatorze anos e estava apaixonado pela irmã de Jordão. Considerava Jordão um pirralho, como seu irmão André, mas não via mal em cultivar essa amizade, pois tirava duas vantagens: sentia-se envaidecido por ter um fã declarado e também sentia-se mais próximo de sua paixão juvenil.
Certa vez, Fábio deu um tapa tão forte nas costas de Jordão que este estremeceu em dor. Fábio tinha umas brincadeiras grotescas, não por maldade, mas talvez pela educação que recebera e pelo temperamento que carregava. Jordão parecia agora estar mais amadurecido de forma que o prazer da companhia do Fábio já não era tão intensa, além do que o interesse do Fábio por sua irmã já estava claro e a conversa se tornara enfadonha.
Até que chegou o novo morador da casa da frente, Niltinho.
Niltinho era um ano mais velho que Jordão, mas um ano mais novo que Fábio. Era um jovem carismático e logo ganhou fama de namorador. Era bom de bola e reforçou o time, mas era muito “fominha” e um tanto cínico, o que gerou uma certa inimizade com os demais, mas não com Jordão.
Jordão começava a se interessar por mulheres, mas era muito tímido e via na amizade com Niltinho uma maneira de interagir com elas. Além disso, Jordão achava Niltinho engraçado e sentia certo prazer em sua companhia.
Niltinho não era bobo. Percebeu a beleza da irmã de Jordão e por isso também se aproximou do jovenzinho.
Sem dúvida, mais uma amizade por utilidade e prazer começou a se formar.
Mas então uma coisa interessante começou a acontecer pela primeira vez. Niltinho via em Jordão uma ingenuidade bondosa e fiel que lhe agradava.
Jordão via em Niltinho um bom humor espontâneo e percebia que Niltinho, embora um pouco mais velho, lhe respeitava a opinião.
Já não eram amigos por interesse. O prazer de suas companhias aumentava e viviam grudados.
Nilton corrigia o amigo. – Jordão, você tem que lavar suas unhas dos pés, que estão sempre sujas. Um dia até esfregou lhe o dedão com uma escova de dente.
-- Deixa o cabelo crescer, Jordão. As meninas se amarram em cabelo grande.
Niltinho sábia da dificuldade de Jordão com as mulheres e vendo que ele tinha apreço por música e poesia, o incentivava a tocar violão e fazer poemas.
-- Niltinho, você tem que tocar mais a bola, cara. Voce não ve que ninguém quer jogar contigo e ninguém quer ser seu amigo? Por que você só quer se dá bem?
Um ano de amizade e a família de Jordão teve que se mudar de cidade. Niltinho chorou na frente do amigo na despedida e Jordão ficou surpreso.
-- Ainda pensando, marido?
-- Estou pensando na amizade, meu bem. Filha que é do amor, a amizade verdadeira só é possível entre pessoas boas, que superaram os interesses pessoais e só conhecem o interesse humano.
Visita-me, também, esposa, estas belas palavras do filósofo Cícero:
Como pode ser suportável a vida que não repousa na benevolência mútua de um amigo?
Existe coisa tão doce como ter um amigo com quem falar de forma tão livremente como se fala-se consigo mesmo?
A mais bela e a mais sólida das associações é a que a amizade, pela conformidade de inclinação, estabelece entre pessoas de bem.
Embalada pela nobreza das citações, esposa aninhou-se mais ao amado
-- O que temos, marido? Além de amor, és também um amigo?
-- É possível um sem o outro,?!
-- Bendito Opala!
-- Bendito sorriso!
-- No meu caso, seu Opala Diplomata.
Jordão, em leve desconcerto, entrou no jogo. – Eu sabia. Saíste comigo por causa do carro!!
-- Provavelmente. Mas quer saber por que continuei saindo por 53 anos?
Jordão frisou os olhos: -- Tem a ver com o cortador de grama que herdei do meu pai?!
-- Comecei por interesse, confesso. Depois notei que tua gentileza e bom humor fazia-me bem. Mas havia algo mais que no inicio eu não sabia o que era.
-- Talvez meu bigode, provocou Jordão.
-- Era a sua bondade, - disse lacrimejando- Incipiente no inicio, quase disfarçada, como se não quisesse que descobrissem. Contudo, ano a ano, notei teu senso de justiça aflorar acompanhado de sabedoria. Quando dei por mim, estava não só apaixonada por você, mas já me tornara sua discípula. A mim, te tornaste o mais belo dos homens. Eras pra mim a vestimenta da verdade que se desvelava aos meus olhos. E nós sabemos, Jordão, que não há nada mais belo que a Verdade.
-- Sei bem esposa, pois eu A vejo em ti todos os dias.
-- Vês apenas o que tu próprio construíste em mim.
Silêncio e cumplicidade.
Peço que o leitor respire neste momento em respeito ao amor verdadeiro.
-- E pensar que tudo começou com o Opala, retomou Jordão.
-- Sim, esposo. Do interesse para o prazer. Do prazer para a devoção. Não uma devoção a ti Jordão, pois te sei imperfeito, mas uma devoção ao melhor de ti. Vi tua beleza interior desabrochar em vida ética. Vi na sua vida ética a beleza estética que tanto eu imaturamente buscava nos corpos. Então passei a rir desse belo "das" coisas. Deste fosco reflexo, mero espectro comparada a sublime beleza do teu Ser Real.
-- Estou muito velho. Acautela-te, esposa.
-- Diga-me, marido. Foste sempre Bom?
-- Na essência, como todos, esposa. Mas não na forma.
-- Como assim?
Jordão suspirou, fechou os olhos e como um bom canceriano rememorou com detalhes sua infância:
-- Por que não convida o nosso vizinho Andrezinho, Jordão. Teu pai vai fazer churrasco hoje.
-- Não precisa, mãe. -- Não vai dar – pensava Jordão – tem pouca carne e o André come muito. Pensava isso sempre, embora também sempre sobrasse carne para o carreteiro do dia seguinte.
Na escola, André tinha Jordão como grande amigo. Dividia com ele todo seu lanche, quase sempre um delicioso bolo de milho e suco de uva. Jordão esperava ansioso a hora do recreio. Levava um fruta com ele, que comia sozinho, antes que André o visse.
André também era o dono da bola. E ser amigo do dono da bola era sempre vantajoso. Fora isso Jordão e André não tinham muitas afinidades. Definitivamente não fazia sentido na cabeça de Jordão dividir o escasso churrasco com o amigo. Com o tempo, Jordão já não tinha necessidade de lanchar com André. A bola também já não era necessária, pois a escola disponibilizava bola para todos os alunos.
Assim, acabada a utilidade de André, acabou também a amizade entre os dois. Afinal, como diz Aristóteles, se a base da amizade é a utilidade ou o prazer, não há nada de estranho no fato de a amizade ser rompida quando os amigos deixam de ser uteis e agradáveis.
Para André, a companhia de Jordão não lhe era tão utilitária, antes um tanto prazerosa, pois Andre tinha um temperamento solitário e pessimista e aquela era a maneira de Andre abrandar a sua solidão.
André tinha um irmão mais velho, Fábio. Jordão tinha grande estima por Fábio, pois os grandes sempre causam estima aos pequenos. Jordão o considerava inteligente e engenhoso. Tinha uma conversa interessante e Jordão sempre estava a aprender com ele.
-- Oi Jordão. O André ainda esta dormindo.
-- Oi, Tia. Vim falar na verdade com o Fábio.
Fábio tinha seus quatorze anos e estava apaixonado pela irmã de Jordão. Considerava Jordão um pirralho, como seu irmão André, mas não via mal em cultivar essa amizade, pois tirava duas vantagens: sentia-se envaidecido por ter um fã declarado e também sentia-se mais próximo de sua paixão juvenil.
Certa vez, Fábio deu um tapa tão forte nas costas de Jordão que este estremeceu em dor. Fábio tinha umas brincadeiras grotescas, não por maldade, mas talvez pela educação que recebera e pelo temperamento que carregava. Jordão parecia agora estar mais amadurecido de forma que o prazer da companhia do Fábio já não era tão intensa, além do que o interesse do Fábio por sua irmã já estava claro e a conversa se tornara enfadonha.
Até que chegou o novo morador da casa da frente, Niltinho.
Niltinho era um ano mais velho que Jordão, mas um ano mais novo que Fábio. Era um jovem carismático e logo ganhou fama de namorador. Era bom de bola e reforçou o time, mas era muito “fominha” e um tanto cínico, o que gerou uma certa inimizade com os demais, mas não com Jordão.
Jordão começava a se interessar por mulheres, mas era muito tímido e via na amizade com Niltinho uma maneira de interagir com elas. Além disso, Jordão achava Niltinho engraçado e sentia certo prazer em sua companhia.
Niltinho não era bobo. Percebeu a beleza da irmã de Jordão e por isso também se aproximou do jovenzinho.
Sem dúvida, mais uma amizade por utilidade e prazer começou a se formar.
Mas então uma coisa interessante começou a acontecer pela primeira vez. Niltinho via em Jordão uma ingenuidade bondosa e fiel que lhe agradava.
Jordão via em Niltinho um bom humor espontâneo e percebia que Niltinho, embora um pouco mais velho, lhe respeitava a opinião.
Já não eram amigos por interesse. O prazer de suas companhias aumentava e viviam grudados.
Nilton corrigia o amigo. – Jordão, você tem que lavar suas unhas dos pés, que estão sempre sujas. Um dia até esfregou lhe o dedão com uma escova de dente.
-- Deixa o cabelo crescer, Jordão. As meninas se amarram em cabelo grande.
Niltinho sábia da dificuldade de Jordão com as mulheres e vendo que ele tinha apreço por música e poesia, o incentivava a tocar violão e fazer poemas.
-- Niltinho, você tem que tocar mais a bola, cara. Voce não ve que ninguém quer jogar contigo e ninguém quer ser seu amigo? Por que você só quer se dá bem?
Um ano de amizade e a família de Jordão teve que se mudar de cidade. Niltinho chorou na frente do amigo na despedida e Jordão ficou surpreso.
-- Ainda pensando, marido?
-- Estou pensando na amizade, meu bem. Filha que é do amor, a amizade verdadeira só é possível entre pessoas boas, que superaram os interesses pessoais e só conhecem o interesse humano.
Visita-me, também, esposa, estas belas palavras do filósofo Cícero:
Como pode ser suportável a vida que não repousa na benevolência mútua de um amigo?
Existe coisa tão doce como ter um amigo com quem falar de forma tão livremente como se fala-se consigo mesmo?
A mais bela e a mais sólida das associações é a que a amizade, pela conformidade de inclinação, estabelece entre pessoas de bem.
Embalada pela nobreza das citações, esposa aninhou-se mais ao amado
-- O que temos, marido? Além de amor, és também um amigo?
-- É possível um sem o outro,?!
-- Bendito Opala!
-- Bendito sorriso!