A Bela e o Padre

Corria o ano de 1962 numa cidade do interior.

Camila sentia-se cada vez mais insatisfeita em seu casamento. Casou-se aos dezoito anos por imposição de seu pai. Inúmeras brigas iam minando a relação. Seu esposo muitas vezes abusava da bebida e era agressivo. Por sua beleza despertava a inveja e ciúme das mulheres e atraía os olhares e a atenção dos homens.

Neste domingo ela está muito triste. Chega na Igreja para assistir a missa. Sua alma está em prece. De repente ela olha para o altar e o novo padre da cidade está olhando fixamente para ela. Ela sente um frio percorrer seu corpo. Ele desvia o olhar.

Durante toda a semana ela pensa naquele olhar penetrante. Fica incomodada.

Nos próximos domingos, na Igreja, ela sempre cruza seu olhar com o do padre, como se estivessem conversando pelos olhos.

Alguns meses depois Camila e seu esposo se separam. A separação é o assunto da cidade. Naquele tempo, nesta cidade tão provinciana e conservadora, o término de um casamento era ainda um escândalo. A mulher fica marcada pela sociedade local.

Quando Camila entra na Igreja todos a olham com reprovação, como se ela fosse uma proscrita e devesse se manter longe dos encontros sociais e religiosos. Mas ela não se importa. É uma mulher forte e enfrenta de cabeça erguida os olhares de todos.

Durante as missas seu olhar continua se cruzando com o do padre Teodoro. Sente os seus olhos cada vez mais íntimos com os dele.

Um dia ela se enche de coragem e vai se confessar com ele.

Quando ela se ajoelha no confessionário ele reconhece seu olhar e fica um pouco nervoso, mas se controla.

-Padre, meu pecado é amar um homem proibido para mim.

-Minha filha, este homem é casado?

-Não. Não é e nunca poderá ser.

Ele fica agitado e percebe o que ela quer dizer.

-Se é proibido para você, por que não esquece?

-Acha que a gente manda no coração?

-Mas o que não pode ser tem que ser esquecido.

-Padre, eu tive um casamento profundamente infeliz. Fiquei casada por seis anos, não tivemos filhos. Casei muito nova por imposição de meu pai. Acabamos nos separando. Sou uma mulher separada.

-Minha filha, mas o casamento é indissolúvel.

Contestadora do que acha errado, ela diz:

-Deus quer que as pessoas vivam infelizes só porque se casaram? Por que não podem se separar e tentar novamente? Eu não me casei por minha vontade.

-Minha filha, uma pessoa separada não pode casar novamente. Nem perante Deus e nem perante a lei.

-Mas por que tem que ser assim? Acha que tenho que viver sozinha o resto de minha vida?

-Não sou eu que acho. São as regras da Igreja e dos homens.

-Não concordo com estas regras.

-E de que adianta você não concordar? Elas são assim.

-Padre, eu venho todas as semanas assistir a missa. A única alegria que tenho na vida é quando meus olhos se cruzam com os seus.

-Não estou entendendo, minha filha. Não sei do que está falando.

-Sabe sim. Eu não me arrependo disto e nem acho que estou errada. Vai me dar a minha penitência?

-Não posso. Se lhe der uma penitência tenho que dar a mesma para mim. Por favor, pode se retirar.

Nos próximos meses Camila e padre Teodoro se aproximam. Muitas vezes se encontram secretamente e conversam sempre.

Um dia eles estão na casa de Camila. Ele beija-a. Ela se entrega. Vão se acariciando. Ficam muito próximos e um desejo louco toma conta deles. De repente ela o afasta.

-Para, Teodoro, não dá. A gente não pode fazer isto. Não está certo

-Mas está acontecendo. O que podemos fazer? Você acha que isto não está me incomodando? Você me procura, fica me tentando. E agora foge?

-Você teria coragem de se deitar comigo e depois subir ao altar para uma celebração?

-Eu estou confuso. Estou vivendo um inferno.

-Eu não aceito. Não está certo.

-Eu sou um homem. Será que eu não tenho o direito de amar? De desejar uma mulher? Será que é certo isto? Será que é isto mesmo que Deus quer? O ser humano foi feito para ser feliz.

-Você escolheu este caminho. Era livre para escolher e abraçou o sacerdócio.

-Eu não sabia que um dia eu poderia amar e desejar tanto uma mulher. E você é culpada por isto. Você me procurou, você se declarou.

-Não sou culpada. Foi um acontecimento recíproco

-Sim. De nada adianta discutirmos culpa neste momento. Precisamos saber é o que fazer com este sentimento que arde e pulsa dentro de nós.

-Eu, embora seja desquitada, sou livre para amar. É você que tem que fazer sua escolha.

-Escolha?

-Eu só lhe aceito se você renunciar ao seu sacerdócio.

-Você está me colocando contra a parede. Eu não posso abandonar assim meu sacerdócio. Desde criança fui preparado para ser um sacerdote. Minha mãe faleceu eu era ainda um bebê. Sempre me disseram que ela queria que eu fosse um padre.

-Então você se tornou padre por isto? Desculpe lhe dizer, mas isto é perverso. Colocaram sobre seus ombros um fardo muito pesado.

-Quem disse isto? Eu quis me tornar um padre. Sempre.

-Para satisfazer um desejo de sua mãe que você achava que tinha obrigação de cumprir.

-Não admito que você fale isto. Eu quis ser um sacerdote. E não posso abandonar assim esta convicção.

-Sinto muito. Eu não vou fazer as coisas como você quer. Não quero viver em pecado e me escondendo das pessoas.

-Você acha que não viveria em pecado com outro? Perante a Igreja você é casada. O desquite não lhe dá o direito de se casar oficialmente com outro.

-E você viveria comigo em pecado e depois ocuparia o altar para celebrar como se nada houvesse acontecido? Não é muita hipocrisia?

-E não é um pecado você pedir que um servo do senhor, um padre abandone seu sacerdócio?

-O que você pretende então? Deitar-se comigo e depois agir como se nada houvesse acontecido?

-Eu não sei. Eu nunca me vi numa situação desta. Desde minha ordenação eu jamais me interessei por uma mulher até você aparecer.

-Nada acontece por acaso. Talvez seu caminho seja este.

-Não. Eu não quero trair meus votos.

-Então não me procure mais. É o único modo de você não trair seus votos. Porque agora você está traindo.

-Eu estou enlouquecendo. Eu só penso em você. Sonho com você dormindo e acordado. O que eu faço?

-Só você pode decidir. Só você pode fazer esta escolha. E pode ter certeza que eu vou aceitar e respeitar a sua escolha.

-Eu vou embora. Tenho que pensar.

Ele sai apressado.

Durante muitos dias padre Teodoro se mantém em oração e jejum. Em prece a Deus para que o ilumine.

Neste dia ele toma algumas providências e depois procura Camila.

Ele chega na casa dela e a olha em silêncio. Ela diz:

-Entre

Ele entra e fica em silêncio. Ela espera que ele diga alguma coisa.

-Eu já tomei a minha decisão, Camila.

Ela estremece

-Pois diga o que foi que decidiu. Estou esperando.

-Foi uma decisão muito difícil, muito sofrida. Durante muitos dias eu estive em oração e jejum. Em prece a Deus para que Ele me iluminasse. Agora eu estou muito seguro. Tenho certeza que tomei a melhor decisão. Dentro de mim já não há dúvidas, não há mais conflito.

-Fico feliz com isto, Teodoro. Você é uma pessoa muito especial e maravilhosa para viver em conflito, em confusão. Você merece estar em paz. E como eu disse eu vou aceitar a sua escolha com serenidade. Eu amo você Teodoro, mas vou acatar a sua decisão.

-Eu também amo você Camila. Como e nunca pensei que um dia fosse capaz de amar.

Fica em silêncio.

-Vamos acabar com isto, Teodoro. Diga o que você decidiu.

-Eu não posso abandonar meu sacerdócio. É mais forte que eu. Eu já pedi a minha transferência de paróquia, de cidade. É questão de dias para eu ir embora.

-É mais forte que o seu amor, não é?

Ela baixa a cabeça. Ele diz:

-Mais forte que o meu amor não é. Mas eu devo reprimir este amor.

-Está bem. Seja como você quer.

-Você me dá um beijo de despedida?

-Não. Você nem devia me pedir isto depois de sua escolha. Eu espero que você viva em paz. Eu desejo a você toda paz e felicidade. Que você tenha sossego em seu coração. Desejo a você todo o bem do mundo.

-Eu também desejo felicidades a você Que você encontre alguém que possa lhe fazer feliz.

-Eu não estou preocupada com isto. Vou levar minha vida. E além do mais não é todo dia que se encontra um amor sincero e verdadeiro. Mas eu vou lhe esquecer, você pode ter certeza. Pode ter certeza que eu não vou sofrer. Eu vou me apaixonar por outras idéias, por outras fantasias.

-É tão fácil assim?

-Fácil não é. Mas eu vou conseguir.

-Só me resta dizer adeus.

-Eu estou em paz. Eu não lhe perdi para o mundo, eu não lhe perdi para outra mulher, eu não lhe perdi para a morte. Eu lhe perdi para o seu sacerdócio e para as coisas de Deus. E isto me deixa feliz.

-Eu nunca vou lhe esquecer. Vou sempre levar você comigo. Mas preciso reprimir este amor, mantê-lo só dentro de mim. Adeus, Camila.

Ele sai apressado. E então solta seu choro represado. Caminha devagar. Segue seu caminho, sua missão.

Camila senta-se no chão e chora. Fica ali por muito tempo chorando, imóvel. Depois levanta-se, ergue a cabeça, toma um banho demorado e segue sua vida. Não sabe se vai esquecê-lo algum dia mas vai superar e sabe que vai parar de doer. Sabe que vai se acostumar, se adaptar. Amanhã é um novo dia e a vida continua…

Nádia Gonçalves
Enviado por Nádia Gonçalves em 28/03/2021
Reeditado em 28/03/2021
Código do texto: T7218270
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