Estilista
Ainda novo saiu de casa. Custava-lhe ver o pai bêbado a bater na mãe ou, se não lhe batia, humilhava-a. Um dia, farto de ver e ouvir desacatos deu ele uma boa sova ao progenitor, meteu na sacola uma muda de roupa e fez-se à vida para lá dos montes. De camponês a pedreiro foi tudo até aprender a arte de sapateiro na loja de Joaquim, o último a achar que consertar já não valia a pena. De tal modo se entenderam que, por morte, lhe deixara o patrão a loja e o cuidado da mulher, também ela idosa e sem família. Deu Adriano para sonhar com um estabelecimento moderno, com calçado feito por medida e por encomenda, com novos modelos criados e assinados por si. D. Branca, escutava-o, embevecida e, certo serão, disse-lhe que concordava em correr riscos, que tinha umas economias, que poderia vender o ouro e o pinhal. Afinal não tinha filhos ou a quem prestar contas e fazia gosto em que ele medrasse na vida se, como ele lhe garantia, pudesse ter nele amparo para a velhice. E o edifício nasceu das velhas instalações, com parte comercial, oficina, sala de desenho e de provas. Mudaram radicalmente os sapatos que eram agora de bom cabedal, calfe do melhor, desenho moderno. No começo estranharam as novidades, depois pagaram mais caro o serviço que apreciaram, deram publicidade ao artista e o negócio prosperou. Já havia mais gente a trabalhar, já só se aceitavam encomendas para modelos originais e a marca internacionalizou-se. Quando ela veio para escolher calçado, viu-o esboçar o que seria único, acertou prazos e voltou para a prova. Viu Adriano a perna nua, pegou nela para a calçar, alisou-a por cima do cabedal das botas altas, emocionou-se com o perfume e as palavras quase doces que dizia e olho-a de olhos parados, sem voz nem palavras. E ela retribuiu com silêncio caloroso o interesse. Voltou mesmo sem precisar de calçado. Casam dentro de dias.