Gildona
Gildona empastelou-se na multidão.
Queria fugir da gastura de ver sua mulher beijando um homem.
Seu sistema límbico só viu língua e descontou no córtex um veneno matador.
Ela não era psicopata nem nada. Era só Gildona, mulher de Aretuza.
Mas agora era uma mulher fervida, com a alma escapulida do corpo. Emocionalmente sequestrada.
Entrou no açougue. Fez foi furtar a faca. Aquela facona gigante e reluzente que enfiou debaixo da blusa como se carregasse um pão francês na França.
Mas ela errou feio, errou na posição de esconder a faca. Não houve tempo de raciocinar, nem de ajeitar direito a faca em relação ao corpo, precisou ser ágil e por isso a faca estava com o cabo para baixo e a lâmina para cima, enterrada no seu sovaco.
Não havia problema, ficava mais fácil puxar a arma fria pelo cabo e enfiar na barriga do amante de Aretuza, depois em Aretuza, depois em si mesma.
Ela caminhou decidida, atravessou a rua e se escondeu atrás de um poste para escolher a hora certa de atacar os dois, a traidora e seu amante vagabundo!
Não tinha mais certeza sobre qual deles era mais vagabundo, qual merecia morrer primeiro, queria só fechar os olhos e fazer o trabalho, o trabalho de eliminar a própria dor que lhe devorava a sanidade, que lhe amolecia as pernas, que descompassava seu coração.
Estava lancinante aquela dor. Não poderia mais esperar, nem suportar, abandonou seu esconderijo gritando, era um grito desesperado, ensanguentado, um grito de horror. Ela deu cinco passos e caiu morta para espanto de quem passava por ali, estava vermelha, jorrando ... Sua vida inteira afogou sua blusa, para agonia de Aretuza e seu amante.
Sua artéria subclávia fora danificada pelo aço que costumava destrinchar bovinos, suínos e artérias vitais de humanos cegos de amor.