Interregno

Quando já tudo tinha sido resolvido do vestido de noiva à boda e convidados, Hélder teve um acidente, entrou em coma e, alguns dias depois, morreu. Ficaram coisas por dizer e Augusta estava inconsolável. Era uma dor que a tomava toda, indefinida e vaga que a fazia cirandar sem nexo, como se a vida acabasse ali, naquele monte de terra com uma chapa numerada, agora a sua única referência. Era lá que ia todos os dias para falar sozinha, para começar a entender, a aceitar. Afagava a terra, deixava flores que ao outro dia achava mortas. Retirava-as e deixava mais um ramo para que o sol o quebrantasse também. Ia como um autómato sem ver ou falar com quem quer que fosse. Perdera o apetite e definhava no vestido preto. Naquele dia, seguindo o mesmo caminho, esbarrou nele. Sentiu-se abraçada por uma figura alta, de roupa escura, com um ramo de rosas na mão. Olharam-se e ambos pediram desculpa seguindo cada um o seu caminho. Campas afastadas mas em talhões contíguos. Viu-o colocar as rosas no tampo de mármore, acender uma vela, lutar contra o vento para a manter acesa. A curiosidade levou-a lá quando ele saiu. Leu no mármore branco o nome da defunta, as datas, a eterna saudade de seu Alfredo. Secaram-se as lágrimas e quando voltou não havia nenhum Hélder na sua lembrança. Deu mais atenção a quem seguia no autocarro, sorriu à mãe quando entrou. No dia seguinte não saiu e depois também não. Quando voltou ao cemitério ia, contrariamente ao habitual, muito atenta. Viu-o chegar, foi falar com ele para se desculpar pelo embate de ambos, culpa sua. – Sou a Maria Augusta, disse. Ele, apertou-lhe a mão e a voz soou como um sussurro: - Alfredo.

Edgardo Xavier
Enviado por Edgardo Xavier em 21/03/2021
Reeditado em 21/03/2021
Código do texto: T7212668
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