O equivocado.
João estava enrolado com um casamento falido e uma amante barraqueira quando conheceu Marcela.
Ambos já na fase dos sessenta anos, mas muito ativos, bem conservados e bonitos.
Marcela era uma linda mulher, viçosa, um olhar demolidor, e ainda conservava o jeitinho de menina que sempre encantou os homens.
Se conheceram no trabalho, ela já aposentada, trabalhava como voluntária numa ONG voltada à assistência infantil há algum tempo, quando chega o novo colaborador. Indiferente, ela nem repara no homem quando ele é apresentado ao grupo, achou até um tanto arrogante.
Ao primeiro olhar, ele também não presta muita atenção nela, e a vida segue.
Até que um dia, embora dentro da hierarquia da ONG ele ocupe uma função superior, ela resolve conversar com ele sobre o trabalho em comum que exerciam. Como ela já tinha observado, muitos antecessores a ele deixaram o cargo subir à cabeça, quase inviabilizando o trabalho nobre dos colegas com exigências descabidas.
Por essas e outras que ela, líder nata, jamais aceitou uma função de coordenadora, pois não queria se incomodar com briga de egos.
Mas Marcela era líder, e não deixava por pouco.
Vendo o início da arrogância começar, ela se aproxima dele e fala olhando diretamente nos olhos:
- Olha, o nosso setor é muito bom, a equipe é excelente, mas não esqueças que você está coordenador, você não é coordenador.
João, bastante machista, não era acostumado a ser abordado desta forma direta e simples. Fica por um instante olhando aturdido para a mulher, sem conseguir desgrudar dos olhos azuis mas indiferentes, e se sente atingido de alguma maneira, mais tarde ela detectou que ali começou a paixão dele por ela.
Desde então ele passou a dar bandeira, ela continuava indiferente, não porque ele não fosse um homem interessante, simplesmente porque ela não estava querendo nenhum relacionamento.
Ele começa a agir feito adolescente, um dia estava dirigindo uma reunião quando ela entra na sala e ele meio que gagueja, perde o prumo.
Marcela é experiente, já entendeu o que acontece, mas continua ignorando.
Não houve nenhuma tentativa da parte dele, apenas aquele olhar à distância, cada vez mais intenso.
Por motivos pessoais, Marcela anuncia a saída do trabalho na ONG e ele fica bastante abalado, pede que fique, mas ela diz que já trabalha há muitos anos e quer se dedicar a outros projetos.
Mais tarde lembraria do longo olhar que a acompanhou no dia da despedida do grupo e a promessa que estariam sempre dispostos a recebe-la caso mudasse de ideia.
Vida que segue, ele pede amizade no face e ela aceita, já têm vários amigos em comum e sempre foram bons amigos.
Ela não sabe da vida amorosa de João, sempre se apresentou como livre e desimpedido.
Foi no face que ele começa o cerco, calmo porém contínuo e persistente.
Ela começa a vê-lo como homem pela primeira vez, e achou interessante.
Do contato inicial para o primeiro encontro foi rápido, ele marcou e no horário combinado passou na casa dela.
Saíram, aconteceu o sexo inevitável, ali ninguém era mais criança, e ela acabou gostando da pegada dele. Ele mais apaixonado ainda ficou.
E o namoro continua firme, encontros cada vez mais quentes, a sintonia deles era perfeita em todos os sentidos.
Até que um dia ele alega ir para Curitiba pois a família dele era de lá, diz que passaria uns dias fora.
Tudo bem, nada que fosse estranho ou suspeito.
O susto aconteceu o dia em que ela abre o face e vê estampada a foto de João com o braço no ombro de outra.
Foi um momento tenso, como assim, pensa ela, afinal ele não era separado?
Enquanto isto em Curitiba ele nem sonha com o que está acontecendo no seu face, pois inexperiente que era, quem quisesse marca-lo em alguma foto, automaticamente iria cair na sua linha do tempo, e foi o que aconteceu.
Marcela fica furiosa e triste, como pode ser enganada desta maneira?
Quando volta da curta viagem ela comunica o ocorrido, coisa que deixa o homem em pânico.
Como uma criança ele pergunta se na ONG os amigos em comum também poderiam ter visto ao que ela responde que evidentemente quem abriu o face viu.
Ele fica pálido, ela começa o doloroso caminho de retrocesso, há que iniciar a saída do relacionamento com o mínimo de danos.
Só mais tarde descobriria que a preocupação dele em ser visto não era só com ela, tinham outras que ela não suspeitava.
Marcela termina tudo no ato, mas ó dó, já estava apaixonada.
Aí começam os fins e recomeços, ela cada vez mais desgastada, ele incansável em sua fúria predadora.
Até que ela rompe definitivamente.
Conversavam seguidamente, a amizade ficou.
Depois de um tempo, soube que estava casado com uma mulher de Curitiba, imagina que seja a mesma da foto, mas qual!
Ele confessa por telefone que está casado com outra, pois aquela anterior, a eterna noivinha esperando o sapo, ops, príncipe encantado, tinha arrumado outra mulher e estava muito feliz.
Marcela não sorri nem se sente vingada, tristemente pensa o quanto todos perderam nesta vida, principalmente ele.
Passa-se um tempo e ele liga para um sexo virtual, que acontece naturalmente quase com o mesmo gostinho dos outros, não fora a falta do contato.
Após o sexo ele confessa – o homem adorava confissões – que com a atual esposa não consegue ereção, o que o fez até consultar com o médico, que indicou que então no caso extremo procurasse Marcela, já que a química dos dois sempre fora excelente, e ele o fez.
Assim durou um tempo, até que ficou chato, repetitivo, ele não tinha mais liberdade para os telefonemas, e graças aos deuses ela se viu livre de vez do encosto, traído pela noiva por causa de outra mulher, e brocha!
É o que dá não se valorizar uma mulher especial quando se tem a oportunidade, pensa ele quando fica curtindo todos os Stories dela no face, e tentando uma punhetinha para ver se consegue ressuscitar o falecido, outrora motivo de tanto orgulho.
Para ela ele é uma figura patética no Whatsapp que fica mandando figurinhas para tentar manter um tênue fio de contato, cada vez mais remoto, cada vez mais impossível, pois a vida não permite voltar a fita, não tem repetição das melhores cenas, muito menos aceita recomeços tardios de algo que não aconteceu no momento certo.
A vida não é fita para rebobinar, a vida não tem VAR.