A Solidão
Passaram muitos anos. Tudo o que alguém pode fazer para bem gastar a vida, fez. Casou, criou os filhos, enviuvou. Teve uma carreira medíocre. Sem estímulos e sem qualidade de chefia é inútil querer ir além e ela não foi. Era mulher, culta, sabia bem o seu ofício, tudo coisas que assustavam qualquer chefe impreparado, preconceituoso, ferozmente agarrado ao lugar que defendia com unhas e dentes. Quando a crise veio, despediram-na. Era ainda nova para se aposentar e velha para pretender recomeçar onde pudesse. Voltou a comandar a lida da casa, aprendeu novas receitas, criou outro gato. Lia pouco. Dir-se-ia que a sensibilidade se lhe embotara de desgosto e raiva e que só o passado era bom tema para conversa. Amarga, chorosa e céptica perderia a suavidade anterior e criticava tudo e todos. Foi, assim, perdendo amigos e rareavam as visitas dos filhos. Descuidou a arrumação da casa e ficava, parada, a ver os dias na varanda voltada a sul. Um dia, de tão velho, rompeu-se um cano na cozinha. Quando o homem veio, ainda tentou impor as suas regras ácidas e obteve como resposta um silêncio pesado. Ficou para ver o trabalho e tentou outra conversa. A seguir o canalizador disse que todos os canos deveriam ser substituídos, que ele poderia fazer a obra, que iria demorar algum tempo. E veio mais vezes, pontualmente, às oito. Passou a tomar o café com ele, a oferecer o bolo quente, a ajudar no que podia. Depois, conversavam, tornaram-se amigos e, quando a obra enfim acabou, ela chorou agarrada às mãos do homem maduro, viúvo também. – Se não se importar passo a tratá-la por tu, Leonor e, se achar bem, tomo o café consigo antes de ir para o trabalho.