Um beijo de despedida
Aos quarenta e cinco minutos do segundo tempo Mariah resolveu enfrentar o desafio de mudar de cidade e lançar-se em um novo relacionamento, após dois casamentos desfeitos.
O atual companheiro reunia quase todas as qualidades que ela procurava. Era saudável, estável emocional e financeiramente e, acima de tudo, tinha bom humor. Mariah passara por vivências difíceis de lidar por razões de gênio. Esse “limite” do último minuto não ocorrera por sua idade ou incredulidade em relação ao amor; e sim por ter deixado de lado planos já formatados, bem como um “lar” que tomou-lhe muito trabalho e energia para construir, com o objetivo de que fosse seu para o resto da vida.
Nesse lugar ela viveu intensamente nos últimos anos, decorou todos os ambientes e fez do seu dormitório um templo. A cama king ficou grande demais para o único dormitório, mas ela resolveu a questão com alguns espelhos no teto e parede. As cortinas eram de voil e o cobre leito na cor carmim. Tudo para equilibrar as noites quentes que passara há dois anos com o vizinho da porta da frente, vinte anos mais jovem, estagiando no hospital da cidade e noivo de uma menina linda da capital, já com o casamento marcado.
No momento da virada foi visível a ausência de zelo com todos os detalhes que tão cuidadosamente ela tinha se envolvido com tamanha intensidade. Aconteceu como se ela, a conhecida virginiana com ascendente em escorpião e lua em leão passasse da terra para o ar em uma velocidade surpreendente.
Com a decisão tomada, procurou uma imobiliária, sugeriu o preço do apartamento e, no anúncio de venda, aprovou colocar a observação: “semi mobiliado”, porque deixou absolutamente tudo, exceto a cama king.
No dia da mudança, enquanto aguardava a empresa de transporte para carregar os pertences pessoais e a cama, abriu a porta do apartamento e, deparando-se com a conta de luz no chão da porta do apartamento do vizinho tomou-a nas mãos, beijou-a com a boca coberta de baton e, sem querer, deixou cair uma lágrima em cima do beijo. Era uma despedida doída que ele entenderia.
Escrito na Oficina "Provocações" da Pragmatha Editora - Módulo 01
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