Vivendo do passado
"Confesso, acordei achando tudo indiferente
Verdade, acabei sentindo cada dia igual
Quem sabe isso passa sendo eu tão inconstante
Quem sabe o amor tenha chegado ao final..."
(Ana Carolina)
Um mês depois:
Maria Flor mandara um sms após dias intermináveis à espera. Desde o encontro com Bernardo no ônibus, seus dias foram assim: ansiosos.
"Cansei, estou cansada. Faz 30 dias que durmo com meus pensamentos lá em você, e acordo assustada pensando em te perder. Perder? Perder em mim. Eu não quero, não. Eu não queria, não..." (02/01/2022 - 01:46h a.m.)
Joana viu o tremor do celular em cima do criado-mudo. Observou, por entre as frestas da janela, se Bernardo ainda estava escovando os dentes. Esticou suas mãos encharcadas de hidratante até o aparelho. Quando o tinha em mãos, não pensou se era correto ou não. Apenas, o fez. Enviar. Mais tarde, apagar.
"O que posso fazer por ti? Se você não me procura, se você nao vem até mim? Agora, outras ocupam teu espaço, eu só não sabia como te dizer. E digo, então, adeus".
A Maria Flor de algumas semanas atrás despencaria em lágrimas. Esta tem, agora, a razão entrelaçada à emoção. Leu, e em cada palavra, sentia-se forte. E fraca. E uma mistura disso. — Sou fraca, como pudes enviar esta sms se ele nada se importou. Sou forte, eu quem já não me importo mais. — concluiu ela.
"Feliz 2022", ela respondeu via mensagem. Ponderou que, se nada respondesse, o que ele enviou teria sido eficaz, e de tristeza Maria Flor seria.
Bernardo, que estava programando o despertador do celular, se surpreendeu com uma cartinha que animava a tela: de Maria Flor. Feliz 2022. Abrira um sorriso escondido, Joana, cansada da noite que tivera com Bernardo, já estava dormindo. E, ele digitou então.
"Amor, minha Flor. Que saudades sinto de ti. Eu não pude te procurar porque, tu não sabes, mas tive uma viagem relâmpago de negócios, cheguei faz 2 dias e ainda estou resolvendo alguns pendentes. Quero te ver. Feliz 2022"
— OOOOOOK, Bernardo, ok, ok. — enfureceu-se ela. Calou-se. Dormiu.
Dois meses depois.
— Mas olha só, de novo estamos no mesmo ônibus, no mesmo assento, no mesmo ponto, mas em viagens diferentes. — brincou ele, que tentara passar a mão no rosto dela.
— Oi Bernardo, quanto tempo, não? Não passa a mão aqui, tem uma espinha imensa. — disse ela, naturalmente.
— Desculpa. — E logo foi se sentando. — Recebi sua mensagem, fiquei muito feliz por ter se lembrado.
— Ah, que bom. Ano Novo me inspira. — soltou ela, lembrando-se do momento.
— Quando podemos nos ver com mais calma? Sinto falta dos teus beijos, do teu abraço, do teu amor.
— Ih, nem sei Bê. Ando tão atordoada. — mentiu ela, laconicamente.
— Por que está tão estranha? Parece que está forçando frieza...
Ela soltou um riso espontâneo, como se fosse uma piada o que ele acabara de dizer.
— Você acha mesmo ? — riu novamente. — Juro que é impressão. Eu te disse, ando atordoada.
— Como o que ?
— Com a viagem, amanhã vou para o Novo México, e ainda não arrumei as malas.
— Você vai pra longe de mim? E se eu não te encontrasse hoje? Não ia se despedir? Vai ficar quanto tempo? E eu, Flor? E eu? Como fico aqui? — estremeceu ele, com a sensação de que nunca mais viria a Flor.
— São só 3 ou 4 anos. Calma. Estamos distante 4 meses. E foi tão normal. Esta viagem será moleza. E meu namorado vai comigo. Eu vou está tranquila, meu amigo.
— Namorado? Amigo? 3 ou 4 anos? Maria Flor, não vai. Não vai. Por favor, olha como eu estou. Maria flor...
— Desculpa não te avisar antes, é difícil lembrar das coisas nessa confusão que é viajar. Meu ponto é o próximo. Fica com Deus, Bê.
Bernardo possuía olhos marejados e coração apertado por entre o peito. O que ele fizera durante esses dois meses após a mensagem dela? Nada, além de esperar. — Ela deveria vir a mim. Eu mandei a última mensagem e ela não respondeu. Eu que fiquei na espera. Ou eu deveria procura? Ou? Por que eu não fui atrás, por que? Por que? —Chorou, e foi atrás dela.
Léo esperava por Flor com seu carro amarelo do ano. Flor só teve o trabalho de descer e entrar no carro. E assistiu, pelo vidro do carro, Bernardo ir à sua direção. Mas Léo já tinha dado partida no carro. E a distância entre os dois aumentava. Só fisicamente, porque emocionalmente, para Flor, não existia distância. Porque não existia emoção. Além da indiferença que não é ódio e nem raiva. Só um estado puro de espírito.
"Quantas flores deixei de colher quando na primavera estive em outra estação." Pensou Flor, quando olhava para o Léo. Querendo que ele existisse na sua vida, por muito mais tempo...
Amanhã é um novo dia.