ESTRATÉGIA

ESTRATÉGIA

Nascemos, já começamos a envelhecer e nem nos damos conta disso. Um dia fitando o espelho, nos deparamos com uma pessoa diferente. Onde aquele semblante confiante, aquele rosto claro e sem rugas? Quem é esse velhinho?

Assim foi comigo. Outrora, um grande fazendeiro, criador de gado e plantador de café; agora eu estava aqui sentado, diante da amplidão de minhas terras, sem forças para delas cuidar.

Chegara ali ainda muito jovem. Vinha da cidade grande a convite de um vizinho, que fora prefeito daquele lugar. Um dia, insistiu para que eu fosse passar uns dias no sítio que possuía na localidade. Relutei um pouco, estranhando o convite, mas acabei concordando, não sem antes chamar um amigo para me acompanhar.

Imaginei que sendo um jovem estudante de Direito e de boa família, como se costumava dizer, pudesse atrair a simpatia do velho, que fora também um advogado famoso na região.

No dia combinado, pus-me em viagem, acompanhado de meu amigo. Subindo uma serra não muito íngreme, pude apreciar a paisagem e comecei a gostar do que via. Enquanto subíamos, a temperatura baixava e eu já me arrependia de não ter trazido um bom casaco. Comentei com meu amigo e ele me recomendou um conhaque.

Por fim chegamos, ainda pela manhã, com um sol de outono que nos aquecia. Diante do endereço, observamos uma casa muito bem cuidada, com um lindo jardim à frente. Na varanda, muito florida, havia confortáveis poltronas e uma rede. O caminho até a entrada era marcado por pedras claras, em meio à relva muito bem aparada.

Fomos recebidos como velhos e saudosos amigos. Meu vizinho e sua simpática esposa traziam no rosto um sorriso que nos confortou e nos colocou totalmente à vontade. Mais atrás, recatadamente, havia uma linda moça, de cabelos e olhos negros. Nos apresentou, em seguida. Era a neta Ana Amélia, a que ele se referia constantemente em nossas conversas.

Depois de passearmos pelas imediações, foi servido o almoço. Em uma grande mesa, na imensa sala de jantar, pudemos conversar alegremente sobre amenidades. O casal quis saber se havíamos gostado do lugar.

Realmente, era lindo e com uma quietude que não mais existia na capital. Com a intenção de agradá-los, disse que talvez pudesse morar em um lugar assim. Argumentei, entretanto, a dificuldade em deixar meus pais e o lugar onde havia nascido.

Depois, de um breve passeio em torno da casa para conhecer a piscina, acompanhados da agradável e linda neta do casal, fomos para nossos aposentos para descansar da viagem. Um vento fresco entrava pela janela e a sesta foi inevitável.

Levantei-me quando o sol se punha e me apressei para encontrar os anfitriões que nos acenavam com um sarau, depois do jantar. Tomamos café na varanda e fomos conduzidos para um salão decorado com lindos quadros, confortáveis poltronas e um piano. Foi servido um gostoso licor e nos preparamos para a apresentação. De pronto, apareceu a neta, deslumbrante num vestido branco, que se sentou ao piano e interpretou lindas canções, com um francês perfeito e uma voz afinadíssima. Despertou-me a vontade de ali viver. A noite seria inesquecível.

Dias depois voltei ao Rio, mas a minha cabeça permanecia lá. Em pouco tempo, equacionei meus problemas de estudo e retornei ao sítio. Algo me atraia ali e logo soube que se tratava de Ana Amélia. Aluguei um pequeno apartamento, enquanto durasse minhas férias. Não imaginava, então, que não retornaria mais ao Rio. Via Aninha todos os dias e não podia viver sem tê-la ao meu lado. Terminaram as férias, mas eu fiquei. Para sua alegria e para a minha também.

Consegui transferência para a faculdade de lá, terminei meus estudos e casei com Ana Amélia, com quem tive um casal de filhos. Com a ajuda de meu sogro, fui trabalhar em um escritório de advocacia bastante conceituado. Com muito esforço, montei meu próprio escritório e ganhei causas importantes.

Sonhava com a minha própria terra e uma bela propriedade, com terreno adequado para o plantio de café. Foi a época do esplendor dos cafeicultores e fiz a minha independência financeira. Não foi fácil, pois tive que botar a mão na massa, junto com alguns colaboradores e a ajuda inestimável da minha esposa.

Voltando do meu devaneio, lembro que estou aqui para olhar minhas netinhas, brincando com nosso cachorro, já tão velho quanto eu. Agora, observo minha esposa, sem o mesmo viço da juventude, mas ainda bonita e desejável. Percebo ainda o brilho da felicidade em seu olhar e sinto que valeu muito a vida que aqui tivemos e a estratégia de meus sogros em nos aproximar.

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Enviado por ABC DAS LETRAS em 02/01/2021
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