Àquelas tardes
Sorriu quando eu reclamei do ranger da cadeira de balanço. Sentado, observei o sol se atrevendo janela adentro, apontando o centro da sala e acariciando a rotação preguiçosa do disco de vinil.
- Você sempre repete isso, mas nunca resolve.
Ajeitou a agulha para a faixa seguinte, sem olhar-me.
Seu tom de pele, marfim, gritava a refletir toda a luz do ambiente. Deitada ao lado da vitrola, com o pulso apoiando o lado da cabeça, sua nudez contrastava lindamente com o tapete de veludo preto. Uma beleza curvilínea, clássica. Hipnotizante.
- Na verdade, nem sei o porquê de termos uma cadeira de balanço.
Levantou-se, sorrindo. Veio até mim com os vivos azuis apontados nos meus. Virou-se e deitou o peso do quadril sobre o meu colo. Alisei seus longos cabelos negros. Nos encaixamos. Dividimos o balanço da cadeira ruidosa.
- Vamos fazer um filho nessa cadeira - sussurrou, docemente.
Com os pés, puxou o tapete, arrastando a vitrola para perto sem se descolar de mim. Vi a unha rosada do seu dedão do pé empurrando a alavanca do volume, delicadamente. Aquele jazz lento preencheu nossos ouvidos. Imaginei a floresta se alegrando com aquela canção, lá fora, compartilhando a trilha sonora de nossa cópula lenta e apaixonada. Seguindo o compasso do saxofone, o ranger das molas nos acompanhou, enfeitando a canção.
Nosso amor a balançar.
As molas enferrujadas careciam da lubrificação que nunca lembrei de providenciar, mas nosso aconchego ficava cada vez mais escorregadio.
Suados e felizes.
- Sim, amor. Vamos fazer um filho agora.
Encostou-se na lateral do carro e congelou o sorriso na direção da lente. Batom e vestido vermelhos. Minha Pentax prateada fez um clique. Ouvimos o negativo girando.
Fomos embora de nosso recanto secreto, seguindo pela estrada poeirenta na direção da cidade fria, deixando o calor do nosso mundo particular para trás.
Finalmente, coloquei o óleo nessas malditas molas enferrujadas. Fico procrastinando para abandonar essa casa vazia. Essa foto, já tão amarelada, de você encostada no meu velho sedan vermelho, me transporta de volta àquelas tardes de sol, às vezes chuvosas.
- Vem logo, pai! Preciso trabalhar! Todo mês é a mesma coisa…
Nossa filha virou uma grande pessoa. Impaciente, mas boa pessoa. Ela me faz lembrar de você, o que dói e conforta, ao mesmo tempo.
- Não acha melhor vender essa casa velha, pai? O que tanto o senhor faz lá dentro toda vez que te trago.
Guardei a lata de óleo no bolso.
Pensei no quanto queria que tivesse conhecido nossos netos.
- Vamos, filha. Já acabei. Me leve para casa, pois sua mãe deve estar me esperando para o jantar. Amanhã passe lá também, pois precisaremos conversar sobre uma coisa importante.
Cansei de substituí-la na memória de nossa família. Eu não soube lidar com a perda sozinho. Sinto-me idiota… Um velho idiota com um segredo, desde que nossa filha veio ao mundo, no mesmo dia em que você se foi. Precisei de alguém para ocupar esse lugar, sendo a mãe que você não teve a chance de ser.
Amanhã eles saberão quem é essa linda jovem da velha foto amarelada.
Sorriu quando eu reclamei do ranger da cadeira de balanço. Sentado, observei o sol se atrevendo janela adentro, apontando o centro da sala e acariciando a rotação preguiçosa do disco de vinil.
- Você sempre repete isso, mas nunca resolve.
Ajeitou a agulha para a faixa seguinte, sem olhar-me.
Seu tom de pele, marfim, gritava a refletir toda a luz do ambiente. Deitada ao lado da vitrola, com o pulso apoiando o lado da cabeça, sua nudez contrastava lindamente com o tapete de veludo preto. Uma beleza curvilínea, clássica. Hipnotizante.
- Na verdade, nem sei o porquê de termos uma cadeira de balanço.
Levantou-se, sorrindo. Veio até mim com os vivos azuis apontados nos meus. Virou-se e deitou o peso do quadril sobre o meu colo. Alisei seus longos cabelos negros. Nos encaixamos. Dividimos o balanço da cadeira ruidosa.
- Vamos fazer um filho nessa cadeira - sussurrou, docemente.
Com os pés, puxou o tapete, arrastando a vitrola para perto sem se descolar de mim. Vi a unha rosada do seu dedão do pé empurrando a alavanca do volume, delicadamente. Aquele jazz lento preencheu nossos ouvidos. Imaginei a floresta se alegrando com aquela canção, lá fora, compartilhando a trilha sonora de nossa cópula lenta e apaixonada. Seguindo o compasso do saxofone, o ranger das molas nos acompanhou, enfeitando a canção.
Nosso amor a balançar.
As molas enferrujadas careciam da lubrificação que nunca lembrei de providenciar, mas nosso aconchego ficava cada vez mais escorregadio.
Suados e felizes.
- Sim, amor. Vamos fazer um filho agora.
Encostou-se na lateral do carro e congelou o sorriso na direção da lente. Batom e vestido vermelhos. Minha Pentax prateada fez um clique. Ouvimos o negativo girando.
Fomos embora de nosso recanto secreto, seguindo pela estrada poeirenta na direção da cidade fria, deixando o calor do nosso mundo particular para trás.
Finalmente, coloquei o óleo nessas malditas molas enferrujadas. Fico procrastinando para abandonar essa casa vazia. Essa foto, já tão amarelada, de você encostada no meu velho sedan vermelho, me transporta de volta àquelas tardes de sol, às vezes chuvosas.
- Vem logo, pai! Preciso trabalhar! Todo mês é a mesma coisa…
Nossa filha virou uma grande pessoa. Impaciente, mas boa pessoa. Ela me faz lembrar de você, o que dói e conforta, ao mesmo tempo.
- Não acha melhor vender essa casa velha, pai? O que tanto o senhor faz lá dentro toda vez que te trago.
Guardei a lata de óleo no bolso.
Pensei no quanto queria que tivesse conhecido nossos netos.
- Vamos, filha. Já acabei. Me leve para casa, pois sua mãe deve estar me esperando para o jantar. Amanhã passe lá também, pois precisaremos conversar sobre uma coisa importante.
Cansei de substituí-la na memória de nossa família. Eu não soube lidar com a perda sozinho. Sinto-me idiota… Um velho idiota com um segredo, desde que nossa filha veio ao mundo, no mesmo dia em que você se foi. Precisei de alguém para ocupar esse lugar, sendo a mãe que você não teve a chance de ser.
Amanhã eles saberão quem é essa linda jovem da velha foto amarelada.